segunda-feira, 21 de novembro de 2011

INTEIRO TEOR DO ACORDÃO Nº 1.1331 /2011


Apelação Cível N.º  2010.007107-9
Origem: Maceió/14ª Vara Civel da Capital Fazenda Municipal
Apelante         : Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde - SINDACS/AL
Advogado       : Ricardo Coelho de Barros (2661/AL)
Apelado          : Ministério Público
Relator: Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo


ACORDÃO Nº  1.1331 /2011

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL EM FACE DO MUNICÍPIO DE MACEIÓ. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ABSTENÇÃO DE NOMEAÇÃO DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DO SINDICATO DOS AGENTES NO PROCESSO. ADMISSÃO COMO ASSISTENTE SIMPLES. ERRO NA APRECIAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. DIREITO ADQUIRIDO APÓS A VIGÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. EFEITOS DA DECISÃO SOBRE A ESFERA JURÍDICA DOS AGENTES COMUNITÁRIOS. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES. NULIDADE DO PROCEDIMENTO. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO. NULIDADE SANADA. RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO POR PARTE DO MUNICÍPIO. RECURSO INTERPOSTO PELO LITISCONSORTE. POSSIBILIDADE. ARTIGO 48 DO CPC. RECURSO CONHECIDO. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUBJETIVA DAS LEIS MUNICIPAIS NºS 5.669/07 E 5.670/07. EMENDA PARLAMENTAR À PROJETO DE LEI DE INICIATIVA RESERVADA DO CHEFE DO EXECUTIVO. POSSIBILIDADE. PRERROGATIVA DO PODER LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE AUMENTO DE DESPESA. MERA REPETIÇÃO DO TEXTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. VIOLAÇÃO À REGRA QUE EXIGE PRÉVIA APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO COMO REQUISITO PARA PROVIMENTO DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. NÃO OCORRÊNCIA. REGRA JÁ MITIGADA PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, EM DIVERSOS DISPOSITIVOS. EFETIVAÇÃO DA ISONOMIA MATERIAL OU SUBSTANCIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA PÉTREA. MERA SIMPLIFICAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE SELEÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. PEDIDO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO PROCEDIMENTO SELETIVO REALIZADO ANTES DA EDIÇÃO DA EC 51/2006 PARA ADMISSÃO DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. BOA-FÉ DOS CANDIDATOS. ADOÇÃO DE PARÂMETROS OBJETIVOS NA FASE DE ENTREVISTA. AUSÊNCIA DE PROVAS SOBRE EVENTUAIS FAVORECIMENTOS PESSOAIS. PROCEDIMENTO REGULAR. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA JULGADA IMPROCEDENTE.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.º 2010.007107-9 de Maceió/14ª Vara Civel da Capital Fazenda Municipal, ACORDAM os integrantes da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, à unanimidade de votos, em conhecer do recurso para, por idêntica votação, DAR-LHE PROVIMENTO, nos termos no voto do relator.

Participaram do julgamento os desembargadores constantes na certidão de julgamento.
Maceió, 27 de outubro de 2011.
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Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo
Presidente e Relator


Apelação Cível N.º 2010.007107-9
Origem: Maceió/14ª Vara Civel da Capital Fazenda Municipal
Apelante         : Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde - SINDACS/AL
Advogado       : Ricardo Coelho de Barros (2661/AL)
Apelado          : Ministério Público
Relator: Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo



RELATÓRIO



1.             Trata-se, na origem, de ação civil pública com pedido de antecipação dos efeitos da tutela judicial ajuizada pelo Ministério Público Estadual com o objetivo de impedir que o Município de Maceió nomeasse agentes comunitários de saúde sem a observância da prévia aprovação em concurso público.
2.             Segundo argumentos lançados na petição inicial e sua respectiva emenda (fls. 190/196), o Poder Executivo Municipal teria iniciado processo legislativo com o escopo de criar empregos públicos de agente de combate a endemias, a serem preenchidos mediante aprovação em concurso público, na forma do inciso II do artigo 37 da Constituição da República.
3.             Não obstante, de acordo com a peça pórtico, durante o trâmite dos projetos de lei no Poder Legislativo Municipal, estes sofreram emendas pelos Vereadores, possibilitando a efetivação, sem necessidade de submissão a concurso público, dos profissionais que, na data de publicação da Emenda Constitucional nº 51/2007, se encontrava em atividade na Secretaria de Saúde do Município de Maceió e aos que, a qualquer título, desempenhavam as atividades de agentes comunitários de saúde.
4.             Após essas emendas, os projetos de lei foram encaminhados ao Chefe do Poder Executivo que as vetou, tendo, porém, a Câmara de Vereadores derrubado os vetos, promulgando e publicando os atos normativos, dando origem às leis municipais nºs 5.669/07 e 5.670/07.
5.             Diante disso, o Ministério Público Estadual ingressou com a presente ação civil pública, com o escopo de impor ao Chefe do Poder Executivo Municipal uma obrigação de não fazer, para que este não promovesse a nomeação ou assinatura da CTPS dos profissionais de saúde que poderiam ser beneficiados pelas mencionadas leis.
6.             Em manifestação de fls. 161/162, o Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde de Alagoas – SINDACS/AL requereu que fosse deferida sua intervenção no feito, na qualidade de substituto processual dos litisconsortes passivos necessários (os agentes de saúde).
7.             Em decisão de fls. 204/214, o magistrado de primeiro grau deferiu o ingresso do Sindicato na demanda, mas na condição de assistente simples e não de litisconsorte, e deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela judicial, determinando ao Chefe do Poder Executivo Municipal que se abstivesse de nomear ou assinar as CTPS de qualquer profissional que obtivera ou viesse a obter certificação para assunção dos empregos públicos, ressalvadas as nomeações decorrentes de aprovação em concurso público.
8.             Citado, o Município de Maceió ofereceu contestação, na qual reconheceu expressamente a procedência do pedido formulado pelo Ministério Público.
9.             Processado o feito, sobreveio sentença, às fls. 650/658, que, após concluir pelo cabimento da ação civil pública, extinguiu o processo com resolução do mérito, com base no inciso II do artigo 269 do Código de Processo Civil, condenando o Chefe do Poder Executivo Municipal em obrigação de não fazer “consistente em se abster de nomear ou assinar a CTPS de qualquer profissional que obtivera ou venha a obter certificação pela Comissão de Certificados, ressalvando as nomeações decorrentes da aprovação em concurso público e declarando a nulidade do processo seletivo a que se refere o edital de seleção nº 01.99”.
10.         Inconformado, o Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde de Alagoas – SINDACS/AL interpôs recurso de apelação, às fls. 672/683, sustentando possuir a qualidade terceiro prejudicado, pugnando pela reforma total da sentença, com o escopo de ver concretizada as disposições das Leis Municipais nºs 5.669/07 e 5.670/07, efetivando-se os agentes de saúde nos empregos públicos recém criados, tendo em vista a constitucionalidade das leis municipais e da Emenda Constitucional nº 51/2006, bem como a regularidade do procedimento seletivo realizado pelo Município de Maceió, em 1999.
11.         Em decisão de fls. 694/695, o recurso foi recebido em seu duplo efeito.
12.         Intimados, os apelados deixaram transcorrer in albis o prazo para oferecimento de contrarrazões, conforme certidões de fls. 699 e 705.

É o relatório.
Passo a expor meu voto.



VOTO


Inicialmente, cumpre realizar o juízo de admissibilidade do recurso de apelação interposto pelo Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde de Alagoas – SINDACS/AL, especialmente sua legitimidade para manejar o presente remédio jurídico processual.
Nesse passo, cumpre enfatizar que o Sindicato apelante, em que pese ter invocado a qualidade de terceiro prejudicado para interpor o presente recurso, em verdade, não se enquadra na hipótese normativa prevista no artigo 499 do Código de Processo Civil, uma vez que, tecnicamente, ele não é “terceiro”. Vejamos.
Sobre o conceito de terceiro ALEXANDRE FREITAS CÂMARA traz importantes observações:
Verifica-se que o problema do estudo do recurso de terceiro não está em definir qual seja este recurso, já que ao terceiro é lícito interpor qualquer das espécies admissíveis. O problema que resta para ser solucionado é o de se saber, com precisão, quem é o terceiro que pode recorrer.
Em primeiro lugar, há que se afirmar que o terceiro que pode interpor recurso é alguém que ainda não interveio no processo. Isto porque a lei permite o recurso ao terceiro e este, como é sabido, é definido por exclusão, como sendo aquele que não é parte.
(...)
Pode-se, assim, definir o legitimado a recorrer como 'aquele que poderia ter intervindo no processo, mas não o fez antes da decisão, pretendendo fazê-lo agora com o fim de atacar o provimento judicial que afirma ser capaz de lhe acarretar prejuízo'. (Lições de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2009, p. 198). (grifos acrescidos)

Nessa perspectiva, afirma JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA que “é terceiro quem não seja parte, quer nunca o tenha sido, quer haja deixado de sê-lo em momento anterior àquele que se profira a decisão. Trata-se de conceito simples, decorrente da simples inatividade em relação ao processo[1]”.
No mesmo sentido CASSIO SCARPINELLA BUENO sustenta que:
O 'terceiro prejudicado' ao qual se refere o art. 499, é o terceiro que ainda não interveio no processo. Se já o tiver feito, sua legitimidade para recorrer deriva da sua anterior intervenção, mesmo quando ele conserva a condição de terceiro, como se dá no caso do 'assistente simples' (Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 42)

Portanto, uma vez que o Sindicato já interveio em primeiro grau, não pode ostentar a qualidade de “terceiro”, o que afasta a incidência do artigo 499 do CPC para justificar sua legitimidade recursal.
Além disso, o fato de ter havido o reconhecimento jurídico do pedido por parte do Município de Maceió (assistido), impediria que o Sindicato (assistente simples) interpusesse recurso contra a sentença.
Isso porque, como é cediço, o assistente simples limita-se a auxiliar a parte principal, utilizando-se dos meios processuais postos à disposição dela, mas não pode atuar de forma contrária ao assistido, podendo este praticar livremente atos de disposição de seu direito, mesmo que seja contrário aos interesses do assistente, conforme preceitua o artigo 53 do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 53. A assistência não obsta que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação ou transija sobre direitos controvertidos; casos em que, terminado o processo, cessa a intervenção do assistente.

Nesse prisma, sobre a assistência simples, FREDIE DIDIER JÚNIOR é enfático ao afirmar que:
Essa assistência não obsta a que a parte principal reconheça a procedência do pedido, desista da ação, etc. (art. 53, CPC), ficando sujeito o assistente aos atos de disposição do assistido, pois é deste o objeto da relação jurídica discutida. (Curso de Direito Processual Civil. Bahia: JusPodivm, 2009, p. 308)

Na mesma linha de pensamento são as lições de LUIZ GUILHERME MARINONI:
O assistente simples, porque ocupa posição subalterna em relação à parte principal (assistida), não pode tomar posição contrária àquela adotada pelo assistido. Ou seja, se o assistido desistir da ação proposta, não pode o assistente opor-se a tanto. Se o assistido resolver reconhecer a procedência do pedido do autor, ou ainda transigir a respeito do objeto litigioso do processo, não pode o assistente contrariar sua vontade (art. 53 do CPC). (Curso de Processo Civil. V.2. São Paulo: RT, 2009, p.180)

Assim, por esse ângulo, o recurso interposto pelo SINDACS/AL também não seria conhecido, posto que ele não poderia agir em desacordo com a vontade de seu assistido.
Porém, uma análise mais detida das nuances do caso concreto e da tramitação do feito em primeiro grau, me levam a uma conclusão que, se bem pensada, afigura-se até óbvia, conforme passo a fundamentar.
Compulsando os autos, vê-se que o juízo a quo admitiu a intervenção do SINDACS/AL no feito na qualidade de assiste simples do Município de Maceió, pelo fato de supostamente não haver relação jurídica entre ele e o adversário do assistido, no caso, o Ministério Público Estadual (fls. 204/214).
Desta forma, segundo a orientação adotada pelo juízo a quo, o SINDACS/AL deveria ser considerado apenas como parte auxiliar, pois, em razão de o objeto litigioso do processo não lhe dizer respeito diretamente, ficaria submetido à vontade do assistido.
Contudo, sem muito esforço, percebe-se claramente que o SINDACS/AL, na qualidade de substituto processual dos agentes comunitários de saúde, é, na verdade, litisconsorte passivo necessário na demanda, uma vez que, a decisão proferida, indiscutivelmente, produzirá efeitos sobre a esfera jurídica dos seus filiados, o que torna obrigatória sua presença no processo, ante a natureza incindível da res in iudicim deducta.
Ora, o próprio objeto da demanda (pedido) proposta pelo Ministério Público Estadual revela a prejudicialidade direta desta em face da situação jurídica ostentada pelos agentes comunitários de saúde, ao se pleitear expressamente a declaração de nulidade do procedimento seletivo a qual estes se submeteram e a consequente não nomeação deles, invocando-se como fundamento a declaração incidental de inconstitucionalidade de uma Emenda Constitucional e das Leis Municipais que deram a eles o direito de serem efetivados nos empregos públicos.
Vale destacar que, na própria manifestação ofertada pelo MP acerca do pedido de intervenção do Sindicato em primeiro grau, este afirmou que:
No caso em exame, a relação de direito material posta em juízo é, exclusivamente, a que se estabeleceu entre o Município de Maceió e o Ministério Público Estadual que, no exercício de suas atribuições constitucionais, busca através da prestação jurisdicional (obrigação de não fazer) impedir que o Município de Maceió, através do chefe do executivo municipal, proceda a nomeação dos profissionais certificados pela comissão criada pelos dispositivos legais incidentalmente atacados. (grifos no original).

Desse modo, de uma simples leitura da manifestação do MP, percebe-se claramente que, se ele pretende impedir a nomeação dos agentes comunitários, então estes deveriam sim ser parte no processo, pois existe nítida relação jurídica entre aquele Órgão e os pretensos empregados públicos, que sofreriam, irremediavelmente, as consequências de eventual decisão judicial acatando o pleito ministerial.
Em outras palavras, mesmo os agentes possuindo o direito de serem nomeados, em face do que preceitua a Emenda Constitucional nº 51/2006, que acrescentou os §§4º, 5º e 6º ao artigo 198 da CF/88, caso a ação proposta pelo MP seja julgada procedente, não terão este direito concretizado em face de uma determinação judicial, o que, por si só, demonstra o interesse jurídico deles em participar na formação do convencimento do órgão julgador.
Vale ressaltar que, a partir do momento em que entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 51 e que foram publicadas as Leis Municipais nºs 5.669/07 e 5.670/07, em face da presunção de constitucionalidade dos atos normativos, os agentes por elas beneficiados e que preenchiam os requisitos exigidos, passaram a ter direito adquirido à nomeação.
Nessa perspectiva, importante frisar que, de acordo com elementos constantes nos autos, os filiados do sindicato recorrente estavam em pleno processo de certificação por comissão criada pela Prefeitura de Maceió. Consta nos autos informação de que o Prefeito já havia nomeado os membros da comissão, inclusive com representantes da municipalidade, e já havia publicado os nomes de mais de 400 (quatrocentos) agentes já certificados, ou seja, aptos a serem efetivados, restando apenas a adoção de medidas formais para contratar esses servidores.
Nesse cenário, não vejo como simplesmente ignorar a situação dos agentes comunitários e mitigar sua participação em um processo judicial no qual se discute a subsistência ou não de um direito por eles adquiridos, bem como a nulidade ou não do procedimento seletivo ao qual foram submetidos. A participação deles nas discussões em torno da constitucionalidade das Leis Municipais e da própria Emenda Constitucional é medida que se impõe.
Por oportuno, não posso deixar de registrar que é, no mínimo, “curiosa” a demanda que foi ajuizada em primeiro grau sem a participação dos agentes comunitários de saúde, pois, a ação, intentada pelo Ministério Público, foi decorrente de um procedimento administrativo instaurado no âmbito deste Órgão após um “requerimento de providências” do Município de Maceió (cf. fls. 28/30). O MP, por sua vez, entrou com uma ação de obrigação de não fazer em face do próprio Município requerente.
Ou seja, o Município de Maceió pediu para ser réu e o Ministério Público assim o fez e, após ajuizada a ação, o Município, como era de se esperar, reconheceu a procedência do pedido, pedido este, frise-se, feito por ele mesmo, em sede administrativa. Portanto, é como se o Município tivesse ajuizado uma demanda em face de si mesmo, utilizando o Ministério Público Estadual apenas como instrumento de legitimação de seus interesses.
Ora, sem a participação dos verdadeiros interessados na aplicação das disposições legais e constitucionais atacadas (que, no caso, são os agentes comunitários de saúde), será que esta ação poderia ter tido resultado diverso?
Da forma como foi ajuizada a demanda, bem como pela forma como foi conduzida em primeiro grau, o que se vê é que o judiciário atuou como mero homologador da vontade do Município, sem discutir a fundo a questão atinente a constitucionalidade da Emenda nº 51/2006 e das leis municipais atacadas.
Não se poderia enxergar, assim, sequer legitimidade na sentença de primeiro grau, posto que prolatada sem a existência de efetivo contraditório, em sua acepção substancial, uma vez que os interesses das partes (Ministério Público e Município) eram, antes mesmo do ajuizamento da demanda, absolutamente convergentes.
Por todas as razões declinadas supra, fica claro que os agentes comunitários de saúde, por intermédio de seu Sindicato, são litisconsortes passivos necessários, em face da natureza jurídica da relação deduzida em juízo.
Desse modo, tendo em vista que não houve a regular formação da relação jurídica processual, ante a falta de citação de litisconsortes passivos necessários, a sentença proferida em primeira instância estaria eivada de nulidade, podendo tal vício, inclusive, ser reconhecido de ofício por esta Corte, por se tratar de matéria de ordem pública, conforme se pode ver nas ementas dos julgados a seguir transcritas, todos do Superior Tribunal de Justiça - STJ:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. NULIDADE DECRETADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.  NULIDADE PROCESSUAL. SÚMULA 631/STF. ART. 24, DA LEI N.º 12.016/2009. EMPRESA VENCEDORA DO CERTAME. PETIÇÃO DE TERCEIRO INTERESSADO. PEDIDO DE NULIDADE ACOLHIDO.
1. A eficácia da sentença quando repercute na esfera jurídica alheia impõe o litisconsórcio necessário, ante a ratio essendi do art. 47, do CPC e da Súmula 145 do extinto Tribunal Federal de Recursos, sendo certo que a ausência de citação daquele gera a nulidade do processo. Precedentes do STJ: RMS 20.780/RJ, DJ 17.09.2007; RMS 23406/SC, DJ 26.04.2007 e REsp 793.920/GO, DJ 19.06.2006.
(REsp 1159791/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe 25/02/2011)


AGRAVO REGIMENTAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE COMERCIAL. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO COM A SOCIEDADE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA.
I - Consoante dispõe o artigo 535 do CPC, destinam-se os Embargos de Declaração a expungir do julgado eventuais omissão, obscuridade ou contradição, não se caracterizando via própria ao rejulgamento da causa.
II - Na ação para apuração de haveres de sócio, a legitimidade processual passiva é da sociedade empresarial e dos sócios remanescentes, em litisconsórcio passivo necessário.
III - A falta de citação do litisconsorte necessário inquina de nulidade, desde a origem, o processo originário, matéria a ser apreciada, inclusive, de ofício. Em casos que tais, "os atos nulos pleno iure jamais precluem, não se sujeitando à coisa julgada, porque invalidam a formação da relação processual, podendo ser reconhecidos e declarados em qualquer época ou via." (REsp 147.769/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ 14.2.00) IV - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no REsp 947.545/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 22/02/2011)


Porém, in casu, como narrado alhures, houve o comparecimento espontâneo do Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde de Alagoas em primeiro grau, na qualidade de substituto processual dos agentes beneficiados pela Emenda Constitucional nº 51/2006, o que, em conformidade com o §1º do artigo 214 do Código de Processo Civil, tem o condão de sanar o vício de citação e, por consequência, impedir a declaração de nulidade de todo o procedimento.
Nesse mesmo sentido, aliás, já decidiu o STJ:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONCURSO PÚBLICO. FRAUDE RECONHECIDA. NULIDADE DECRETADA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 47, DO CPC. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA COMPANHIA ENERGÉTICA MUNICIPAL. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO E SÚMULA N.º 07/STJ. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS CONCURSANDOS. PREJUÍZO INDEMONSTRADO. PAS DE NULLITÉS SANS GRIEF.
[...]
3. O comparecimento espontâneo do suposto litisconsorte passivo necessário, como ocorreu na hipótese sub examine, supre a ausência de citação, conforme o disposto no art. 214, § 1º, do CPC, sendo certo que o princípio da instrumentalidade das formas visa o aproveitamento do ato processual cujo defeito formal não impeça que seja atingida a sua finalidade. Precedentes jurisprudenciais do STJ: AgRg no Ag 782446/RJ, Relator Ministro LUIZ FUX, DJ 20.09.2007 e REsp 902431/RS, Relatora Ministra DENISE ARRUDA, DJ 10.09.2007.
4. Aplicação do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual "as exigências formais do processo só merecem ser cumpridas a risca, sob pena de invalidade dos atos, na medida em que isso seja indispensável para a consecução dos objetivos desejados." (Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do Processo, S. Paulo, Malheiros, 1995, 11ª ed. p. 42).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.
(REsp 968.400/ES, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 03/05/2010)

Destarte, tenho por sanada a irregularidade consistente na ausência de citação de litisconsortes passivos necessários, pelo que deixo de declarar a nulidade do procedimento em primeira instância, notadamente em face de sua inutilidade, pois já constam nos autos a manifestação e defesa do SINDACS/AL (litisconsorte não citado), prestigiando-se, assim, os princípios da instrumentalidade das formas, da economia e duração razoável do processo.
Nesse cenário, importante destacar que, mesmo diante do fato de ter havido reconhecimento jurídico do pedido por parte de um litisconsorte, in casu, o Município de Maceió, não há óbices para que o SINDACS/AL recorra da sentença, pois, em conformidade com o artigo 48 do Código de Processo Civil, os litisconsortes são considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos, sendo certo que os atos de um não prejudicam os outros.
Legítimo, pois, o SINDACS/AL para interpor o presente recurso de apelação, mas não na qualidade de terceiro prejudicado, como invocou, mas sim como parte (litisconsorte passivo necessário).
Assim sendo, e devidamente satisfeitos os demais requisitos de admissibilidade recursal extrínsecos e intrínsecos, quais sejam, o cabimento, o interesse, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, a forma, a tempestividade e o preparo, deve ser conhecido o recurso de apelação.
Vencido o juízo de admissibilidade, passo à análise das questões aventadas.
Nesse passo, desde já ressalto que a questão social é delicada, pois está em jogo o direito ao trabalho digno e sustento de famílias inteiras, uma vez que, pelo que consta nos autos, cerca de 920 (novecentos e vinte) agentes estariam em condições de serem beneficiados com as disposições da Emenda Constitucional º 51 e as Leis Municipais atacadas.
Desta forma, tendo em vista o grande número de argumentações levantadas em torno da questão, para um melhor enfrentamento delas, passo a analisá-las individualmente, de modo a facilitar sua compreensão e propiciar um encadeamento lógico entre as teses defendidas.

I – DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE FORMAL SUBJETIVA DAS LEIS MUNICIPAIS NºS 5.669/07 E 5.670/07

Sustentou o Ministério Público Estadual, quando do ajuizamento da demanda, que o Poder Executivo Municipal tomou a iniciativa de apresentar dois projetos de lei à Câmara Municipal de Maceió, cujos conteúdos materializavam a criação de empregos públicos de agentes de combate a endemias e criação de cargos públicos no quadro de pessoal, os quais seriam providos por concurso público.
Porém, durante a apreciação dos projetos pelo Legislativo Municipal, estes teriam sofrido emendas, no sentido de possibilitar aos profissionais que, na data da publicação da Emenda Constitucional nº 51/2006, estavam em atividade na Secretaria de Saúde do Município, ficassem dispensados de submeter-se ao concurso público para preenchimento das vagas que seriam criadas, sendo os projetos aprovados nesses termos, originando as Leis Municipais nºs 5.669/07 e 5.670/07.
Dessa forma, aduziu o Ministério Público que teria havido usurpação de atribuição pela Câmara Municipal, uma vez que não poderiam ter sido introduzidas emendas aos projetos de leis apresentados pelo Prefeito, em virtude de a matéria objeto das proposições ser de competência privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, em conformidade com o §1º do artigo 32 da Lei Orgânica do Município de Maceió.
Argumentou, ainda, o MP, que poderiam ser admitidas apenas emendas parlamentares que não descaracterizassem ou desnaturassem o projeto inicialmente apresentado, mas não as que foram levadas a efeito pelos Vereadores, pois estas teriam o condão de desvirtuar completamente as finalidades do projeto original.
Nessa perspectiva, quando do julgamento da demanda, o juiz sentenciante assim decidiu a questão (fl. 655):
Conforme se verifica, a iniciativa para o Chefe do Poder Executivo, em todos os entes federados, é privativa com relação às matérias que disponham sobre: criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração, ou o aumento da sua remuneração; servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos e estabilidade; criação e extinção de órgãos da administração pública.
Dessa forma, qualquer emenda parlamentar a projeto de lei cuja iniciativa seja privativa do Chefe do Executivo, e que disponham sobre alguma matéria acima elencadas, ofende a Constituição Federal e eiva o ato normativo de flagrante inconstitucionalidade, não havendo qualquer prestabilidade aplicativa.
É, pois, o que ocorreu em relação às Leis nºs 5.669/07 e 5.670/07, posto que algumas matérias nelas incluídas por força de emenda parlamentar lhe foram inseridas com ofensa à iniciativa exclusiva do Prefeito do Município de Maceió.

De início, vale destacar que a Carta de 1988 restituiu aos parlamentares boa parte do poder de emenda que lhes havia sido retirado pelo regime anterior (ditatorial). Assim, nos termos no artigo 63, incisos I e II, não será admitido aumento de despesas nos projetos de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo e nos projetos sobre organização dos serviços administrativos dos Tribunais e do Ministério Público. A contrario sensu, então, será admitido o poder de emenda parlamentar em todas as outras matérias.
Ou seja, a Constituição não proibiu emenda parlamentar sobre projetos de iniciativa exclusiva ou reservada do Chefe do Poder Executivo, apenas vedou emenda que cause aumento de despesa. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal - STF:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA PRIVATIVA DO PODER EXECUTIVO. EMENDA PELO PODER LEGISLATIVO. AUMENTO DE DESPESA.
1. Norma municipal que confere aos servidores inativos o recebimento de proventos integrais correspondente ao vencimento de seu cargo. Lei posterior que condiciona o recebimento deste benefício, pelos ocupantes de cargo em comissão, ao exercício do serviço público por, no mínimo, 12 anos.
2. Norma que rege o regime jurídico de servidor público. Iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Alegação de inconstitucionalidade desta regra, ante a emenda da Câmara de Vereadores, que reduziu o tempo mínimo de exercício de 15 para 12 anos.
3. Entendimento consolidado desta Corte no sentido de ser permitido a Parlamentares apresentar emendas a projeto de iniciativa privativa do Executivo, desde que não causem aumento de despesas (art. 61, § 1º, "a" e "c" combinado com o art. 63, I, todos da CF/88). Inaplicabilidade ao caso concreto.
4. Se a norma impugnada for retirada do mundo jurídico, desaparecerá qualquer limite para a concessão da complementação de aposentadoria, acarretando grande prejuízo às finanças do Município.
5. Inteligência do decidido pelo Plenário desta Corte, na ADI 1.926-MC, rel. Min. Sepúlveda Pertence.
6. Recurso extraordinário conhecido e improvido.
(RE 274383, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 29/03/2005, DJ 22-04-2005 PP-00032 EMENT VOL-02188-02 PP-00300 LEXSTF v. 27, n. 318, 2005, p. 198-203 RTJ VOL-00194-01 PP-00352)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 25 DA LEI N. 11.672/01 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO. LEI DE INICIATIVA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO. EMENDA PARLAMENTAR. AFRONTA AOS ARTIGOS 61, § 1º, INCISO II, "C", E 37, CAPUT, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. Esta Corte entendeu que são de observância compulsória pelos Estados-membros as regras básicas do processo legislativo federal, por sua correlação direta com o princípio da independência dos poderes. Precedentes.
2. Projeto de lei apresentado pelo Governador de Estado, em matérias de sua competência privativa, não pode sofrer emenda parlamentar que importe em aumento de despesa, sob pena de o futuro texto normativo advindo da emenda incorrer em inconstitucionalidade formal.
3. Consubstancia violação direta ao artigo 37, caput e inciso II, da Constituição do Brasil o provimento de cargos de servidores sem concurso público prévio.
4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente.
(ADI 2804, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 02/03/2005, DJ 08-04-2005 PP-00007 EMENT VOL-02186-1 PP-00163 LEXSTF v. 27, n. 317, 2005, p. 32-37 RTJ VOL-00193-03 PP-00862)

Essa conclusão, a meu ver, decorre mesmo de uma constatação lógica: suprimir o poder de emenda dos parlamentares seria simplesmente reduzir o Poder Legislativo, que detém a função precípua de inovar no ordenamento jurídico, à mera função de homologador da vontade do Executivo.
Ora, a própria dicção da palavra “iniciativa” está a indicar que este ato é apenas o de “iniciar” o procedimento legislativo que, por sua vez, será conduzido pelo legislador, a quem cabe analisar o projeto e votá-lo, em conformidade com o interesse de dada comunidade. Nesse sentido, JOSÉ AFONSO DA SILVA é claro ao afirmar que iniciativa legislativa “é, em termos simples, a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo[2]”. Da mesma forma, ensina MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO:
É ato inaugural do processo legislativo. Visa desencadeá-lo. Segundo a doutrina, não é propriamente ato do processo legislativo, tendo em vista que se destina tão-somente a deflagrá-lo. (Do Processo Legislativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p.209)

Nessa perspectiva, lúcidas as palavras de MANOEL JORGE E SILVA NETO:
A introdução de emendas a projetos de lei é prerrogativa natural à atividade legislativa, razão por que mesmo nos casos de projetos de iniciativa reservada ao Presidente da República consente-se ao parlamentar emitir juízo de valor político sobre a proposta. (Direito Constitucional. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2010, p. 415)

Portanto, não vejo óbices à introdução de emendas parlamentares em projetos de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo, notadamente pelo fato de as emendas propostas pelos Vereadores aos projetos de lei enviados pelo Prefeito não alteraram os custos do projeto original, assim como não trataram de matérias que são vedadas pela Constituição da República.
Ademais, vê-se que os cargos foram criados no próprio projeto do Executivo, sendo que as emendas dos parlamentares apenas incorporaram aos textos legais as determinações constantes na Emenda Constitucional nº 51/2006 e na Lei Federal nº 11.350/2006, no que se refere ao acesso aos cargos criados, pelos agentes que já atuavam na Prefeitura e se submeteram às seleções anteriormente realizadas.
Para que não pairem dúvidas, vejamos o que dispõe tanto a Emenda Constitucional nº 51 quanto os artigos acrescentados nas Leis Municipais:
Emenda Constitucional nº 51/2006:
Art. 2º. Omissis.
Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação.

Leis Municipais nºs 5.669 e 5.670/2007:
Art. 2º. A contratação de Agentes de Combate as Endemias deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos.

Parágrafo Único. Ressalvado os profissionais que na data da publicação da Emenda Constitucional nº 51 estavam em atividade na Secretária de Saúde do Município de Maceió e que atendam o disposto no § Único do artigo 2º da Emenda Constitucional 51, regulamentado pelo parágrafo único do art. 9º da Lei 11.350/2006 e os que a qualquer título desempenhavam as atividades de Agentes Comunitários de Saúde, ficam dispensados de submeter-se a forma de seleção prevista no caput deste artigo.

Destarte, as emendas introduzidas pelo Legislativo Municipal tratam de direito já garantido pela Emenda Constitucional nº 51. Nessa perspectiva, cumpre registrar que a própria mensagem enviada pelo Prefeito de Maceió ao Presidente da Câmara Municipal, quando da apresentação dos projetos de lei para apreciação naquela Casa (fl. 99), é clara ao dispor que:
Dirijo-me a essa Câmara Municipal, para encaminhar, em regime de urgência, o Projeto de Lei anexo, que propõe a criação de 542 (quinhentos e quarenta e dois) empregos públicos de Agente de Combate às Endemias no âmbito do Quadro de Pessoas do Poder Executivo Municipal [...]
A criação do emprego público, regido pela CLT, de que trata o Projeto de Lei tem como base a Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, e ainda embasada pela Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, que trata especificamente da contratação de Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias (regulamentados pela Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006).

Ou seja, ao contrário do que foi defendido pelo Ministério Público Estadual, não houve descaracterização ou desnaturação do projeto inicialmente apresentado, uma vez que o próprio Prefeito invocou a Emenda nº 51 para embasar os projetos, o que demonstra sua intenção de concretizar as disposições nela contida.
Nessa seara, vale destacar o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal – STF:
PROJETO - INICIATIVA - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITOS E OBRIGAÇÕES. A iniciativa é do Poder Executivo, conforme dispõe a alínea "c" do inciso II do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - SERVIDOR DO ESTADO - EMENDA - AUMENTO DE DESPESA. Resultando da emenda apresentada e aprovada aumento de despesa, tem-se a inconstitucionalidade, consoante a regra do inciso I do artigo 63 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - EMENDA - POSSIBILIDADE. Se de um lado é possível haver emenda em projeto de iniciativa do Executivo, indispensável é que não se altere, na essência, o que proposto, devendo o ato emanado da Casa Legislativa guardar pertinência com o objetivo visado. PROJETO - COMPETÊNCIA DO EXECUTIVO - EMENDA - PRESERVAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. Emenda a projeto do Executivo que importe na ressalva de direito já adquirido segundo a legislação modificada não infringe o texto da Constituição Federal assegurador da iniciativa exclusiva. LICENÇA-PRÊMIO - TRANSFORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER EM OBRIGAÇÃO DE DAR - ALTERAÇÃO NORMATIVA - VEDAÇÃO - OBSERVÂNCIA. Afigura-se constitucional diploma que, a um só tempo, veda a transformação da licença-prêmio em pecúnia e assegura a situação jurídica daqueles que já tenham atendido ao fator temporal, havendo sido integrado no patrimônio o direito adquirido ao benefício de acordo com as normas alteradas pela nova regência.
(ADI 2887, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 04/02/2004, DJ 06-08-2004 PP-00020 EMENT VOL-02158-02 PP-00204 RTJ VOL-00194-03 PP-00848)

Assim, o que se vê é que foi o próprio legislador constituinte que estabeleceu esta nova forma de ingresso no serviço público, não havendo que se falar em criação pelo legislador municipal. Portanto, ainda que haja previsão em lei municipal, certamente não foi o diploma legal que criou esta forma de ingresso no serviço público.
Por tais razões, não há qualquer inconstitucionalidade formal nas leis municipais nºs 5.669/07 e 5.670/07, visto que o procedimento legislativo foi hígido e legítimo.
Assim sendo, a discussão central no presente caso, em verdade, não é a constitucionalidade ou não das leis municipais, mas sim a constitucionalidade da própria Emenda Constitucional nº 51/2006, que embasou as leis municipais em testilha.
Passo, então, a enfrentar, em sede de controle difuso de constitucionalidade, a referida questão.

II – DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006
A Emenda Constitucional nº 51, promulgada em 14 de fevereiro de 2006, que alterou o artigo 198 da Constituição Federal, em especial os parágrafos 4º, 5º e 6º, teve por escopo responder às demandas sociais de saúde pública, geradas pela ineficiência do Estado brasileiro, além de responder aos anseios de desprecarização das contratações dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e dos Agentes de Combate às Endemias (ACE).
Eis o teor da Emenda Constitucional em testilha:
Art. 1º O art. 198 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º, 5º e 6º:
Art. 198. ....................................................................................................
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.
§ 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. (NR)
Art 2º Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal.
Parágrafo único. Os profissionais que, na data de promulgação desta Emenda e a qualquer título, desempenharem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, na forma da lei, ficam dispensados de se submeter ao processo seletivo público a que se refere o § 4º do art. 198 da Constituição Federal, desde que tenham sido contratados a partir de anterior processo de Seleção Pública efetuado por órgãos ou entes da administração direta ou indireta de Estado, Distrito Federal ou Município ou por outras instituições com a efetiva supervisão e autorização da administração direta dos entes da federação. (grifos acrescidos)

Como se vê, tal modificação possibilitou aos gestores locais do sistema único de saúde a admissão de agentes por meio de processo seletivo público, sob regime jurídico estatutário ou celetista, conforme faculdade do gestor.
Além disso, o parágrafo único do artigo 2º da Emenda previu a dispensa de submissão ao processo seletivo público para os profissionais que, na data de promulgação dela, desempenhassem as atividades de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias, desde que tenham sido submetidos a procedimento seletivo anterior.
Não obstante, o Ministério Público Estadual, na presente demanda ora em sede recursal, insurgiu-se contra esta emenda constitucional, sob o fundamento que ela feriria a regra da obrigatoriedade de realização do concurso público, prevista no inciso II do artigo 37 da CF/88, o princípio da isonomia, ao dar tratamento diferenciado a uma categoria em detrimento de outras, além de afrontar a forma federativa de Estado, ao limitar a competência dos Municípios para legislar sobre seus servidores.
Pois bem.
Desde já ressalto que a questão envolve relevante discussão doutrinária, consistente na possibilidade ou não da chamada “inconstitucionalidade de norma constitucional”.
Sobre isso, convém destacar que a doutrina amplamente majoritária sustenta a impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade de norma constitucional originária, ou seja, aquelas que se encontram no texto constitucional desde a sua promulgação, devendo eventuais antinomias serem resolvidas levando-se em conta o princípio da unidade da constituição e da harmonia ou concordância prática. Sobre isso, assim já decidiu o STF:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. Inadmissibilidade. Art. 14, § 4º, da CF. Norma constitucional originária. Objeto nomológico insuscetível de controle de constitucionalidade. Princípio da unidade hierárquico-normativa e caráter rígido da Constituição brasileira. Doutrina. Precedentes. Carência da ação. Inépcia reconhecida. Indeferimento da petição inicial. Agravo improvido. Não se admite controle concentrado ou difuso de constitucionalidade de normas produzidas pelo poder constituinte originário.
(ADI 4097 AgR, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/2008, DJe-211 DIVULG 06-11-2008 PUBLIC 07-11-2008 EMENT VOL-02340-02 PP-00249 RTJ VOL-00207-02 PP-00605 RT v. 98, n. 880, 2009, p. 95-98 RF v. 105, n. 401, 2009, p. 401-404)

Não obstante, tratando-se de norma introduzida pelo constituinte derivado ou reformador, o entendimento é pacífico no sentido de ser possível o controle de constitucionalidade, em face da natureza limitada deste poder. Nesse sentido são as lições do Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR FERREIRA MENDES:
O controle de constitucionalidade contempla o próprio direito de revisão reconhecido ao poder constituinte derivado.
Parece axiomático que as Constituições rígidas somente podem ser revistas com a observância dos ritos nelas prescritos. São exigências quanto ao quórum, à forma de votação, à imposição de referendum popular, ou de ratificação.
[...]
Tais cláusulas de garantias traduzem, em verdade, um esforço do constituinte para assegurar a integridade da Constituição, obstando a que eventuais reformas provoquem a destruição, o enfraquecimento ou impliquem profunda mudança de identidade [...]
Daí falar-se de inconstitucionalidade de normas constitucionais, seja em razão de afronta ao processo de reforma da Constituição, seja em razão de afronta às chamadas cláusulas pétreas.
(Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1078/1079)

Na mesma linha de raciocínio, leciona o consagrado constitucionalista JOSÉ AFONSO DA SILVA:
Toda modificação constitucional, feita com desrespeito do procedimento especial estabelecido (iniciativa, votação, quorum¸etc.) ou de preceito que não possa ser objeto de emenda, padecerá de vício de inconstitucionalidade formal ou material, conforme o caso, e assim ficará sujeita ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias
(Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 68)

Assim, as emendas constitucionais podem ser objeto de controle, embora introduzam no ordenamento normas de caráter constitucional. Isso porque, o que temos por meio do processo de emendas é a manifestação do poder constituinte derivado reformador e, segundo a teoria do poder constituinte, a derivação dá-se justamente em relação ao poder constituinte originário, este sim ilimitado e autônomo. O derivado ou reformador, por sua vez, deve observar os limites impostos e estabelecidos pelo originário, elencados, na essência, no §4º do artigo 60 da CF/88, in verbis:
Art. 60. Omissis.
[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Destarte, desobedecidos os referidos limites, inevitável declarar inconstitucional a emenda que introduziu uma alteração no texto constitucional. Esta é o posicionamento também já consagrado no âmbito do Supremo Tribunal Federal – STF:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 58/2009. ALTERAÇÃO NA COMPOSIÇÃO DOS LIMITES MÁXIMOS DAS CÂMARAS MUNICIPAIS. ART. 29, INC. IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RETROAÇÃO DE EFEITOS À ELEIÇÃO DE 2008 (ART. 3º, INC. I). POSSE DE VEREADORES. VEDADA APLICAÇÃO DA REGRA À ELEIÇÃO QUE OCORRA ATÉ UM ANO APÓS O INÍCIO DE SUA VIGÊNCIA: ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA, COM EFEITOS 'EX TUNC', PARA SUSTAR OS EFEITOS DO INCISO I DO ART. 3º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 58, DE 23.9.2009, ATÉ O JULGAMENTO DE MÉRITO DA PRESENTE AÇÃO. 1. Cabimento de ação direta de inconstitucionalidade para questionar norma constante de Emenda Constitucional. Precedentes. 2. Norma que determina a retroação dos efeitos das regras constitucionais de composição das Câmaras Municipais em pleito ocorrido e encerrado afronta a garantia do pleno exercício da cidadania popular (arts. 1º, parágrafo único e 14 da Constituição) e o princípio da segurança jurídica. 3. Os eleitos pelos cidadãos foram diplomados pela justiça eleitoral até 18.12.2009 e tomaram posse em 2009. Posse de suplentes para legislatura em curso, em relação a eleição finda e acabada, descumpre o princípio democrático da soberania popular. 4. Impossibilidade de compatibilizar a posse do suplente não eleito pelo sufrágio secreto e universal: ato que caracteriza verdadeira nomeação e não eleição. O voto é instrumento da democracia construída pelo cidadão: impossibilidade de afronta a essa expressão da liberdade de manifestação. 5. A aplicação da regra questionada importaria vereadores com mandatos diferentes o que afrontaria o processo político juridicamente perfeito. 6. Medida cautelar concedida referendada.
(ADI 4307 REF-MC, Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/2009, DJe-040 DIVULG 04-03-2010 PUBLIC 05-03-2010 EMENT VOL-02392-01 PP-00135 RTJ VOL-00213- PP-00460 RSJADV abr., 2010, p. 30-46)


EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: seu cabimento - sedimentado na jurisprudência do Tribunal - para questionar a compatibilidade de emenda constitucional com os limites formais ou materiais impostos pela Constituição ao poder constituinte derivado: precedentes.
(ADI 2024, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 03/05/2007, DJe-042 DIVULG 21-06-2007 PUBLIC 22-06-2007 DJ 22-06-2007 PP-00016 EMENT VOL-02281-01 PP-00128 RDDT n. 143, 2007, p. 230-231)

Passo, então, a enfrentar a questão atinente a constitucionalidade ou não da modificação introduzida pelo constituinte reformador, que previu a possibilidade de contratação de agentes comunitários de saúde por meio de procedimento seletivo e efetivação dos agentes em exercício na data da entrada em vigor da referida emenda, desde que tenham se submetido a procedimento anterior.
Sobre a questão, assim decidiu o juízo a quo (fl. 656):
Além disso, há outro aspecto importante que me leva a verificar a procedência das alegações do Ministério Público, que é a previsão de uma modalidade de provimento em cargo público sem o necessário concurso público anterior, conforme determinado pela Constituição Federal, em seu art. 37, inciso II, cuja redação é a seguinte:
[...]
Ora, se o legislador constituinte impõe a necessidade de aprovação em concurso público para o provimento de cargos públicos, e ainda prevê qual será a exceção a essa regra – a do provimento em cargos de comissão -, não pode o legislador ordinário querer inovar o ordenamento jurídico com uma matéria que já foi tratada de forma distinta pela própria Constituição Federal.

Porém, a conclusão a que chegou o magistrado de primeiro grau, a meu ver, foi fruto de uma leitura apressada, e sem a necessária sistematização das disposições constitucionais, uma vez que, conforme será demonstrado doravante, há outros casos em que o próprio constituinte excepciona a regra do concurso público. Ademais, a exceção objeto de discussão na presente demanda, ao contrário do que fundamentou o magistrado de primeiro grau, não foi introduzida pelo legislador ordinário, mas sim pelo legislador constituinte, no uso de seu poder reformador, sendo que aquele apenas reproduziu o novo mandamento.
Nesse passo, vale salientar que o concurso público, sem dúvidas, é a forma mais democrática e mais justa de contratação de pessoal, uma vez que oferta aos administrados igualdade de oportunidades, bem como seleciona os melhores candidatos obedecendo, assim, ao princípio da eficiência, que sempre deve estar presente em qualquer ato da administração pública (cf. art. 37, caput da CF/88).
As palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello retratam muito bem o concurso público na atualidade, sendo muito mais que um princípio, um postulado, que, por sua enorme importância, foi incluído na Declaração Geral dos Direitos Humanos:
[...] postulado constitucional do concurso público, enquanto cláusula integralizadora dos princípios da isonomia e da impessoalidade, traduz-se na exigência inafastável de prévia aprovação em concurso público de provas, ou de provas e títulos, para efeito de investidura em cargo público. Essa imposição Jurídico-Constitucional passou a estender-se genericamente, com a promulgação da Constituição de 1988, a ´investidura em cargo ou emprego público`, ressalvadas, unicamente, as exceções previstas no próprio texto constitucional. (SOUSA, Luís Marcelo Cavalcanti de. Controle Judiciário dos Concursos Públicos, Ed. Método, p.22).
Não obstante, em que pese ser a realização prévia de concurso público a regra para admissão de servidores, em casos excepcionais e previstos expressamente pela Constituição da República, pode ser dispensada tal exigência. Isto porque, como o concurso público tem também uma acepção principiológica, pode ser relativizado, em dado contexto, para atender a situações específicas.
Nessa perspectiva, nos termos do artigo 37, inciso II, da CF/88, a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego. Porém, o próprio inciso que estabelece o concurso público como a regra para admissão de servidores, prevê uma exceção, qual seja, a nomeação para cargos de provimento em comissão.
Mais adiante, a própria Constituição, também por obra do constituinte originário, previu, em seu artigo 37, inciso IX, uma segunda hipótese de dispensa do concurso público, estabelecendo a hipótese de contratação temporária.
Há, também na Constituição, a chamada regra do “quinto constitucional”, prevista nos artigos 94; 73, §§1º e 2º; 101, parágrafo único; e 104, parágrafo único, por meio do qual se admite o ingresso de advogados e membros do Ministério Público como membros de Tribunais sem a prévia aprovação em concurso público para a magistratura.
Além dessas, há, ainda, o caso de admissão dos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial como servidores públicos, dispensando-se a submissão ao concurso, prevista no artigo 53, inciso I do ADCT da CF/88, in verbis:
Art.53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos:
I – aproveitamento do serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade.
Se não bastasse, há uma quinta e bem conhecida hipótese de absoluta dispensa do concurso público, também no ADCT, em seu artigo 19:
 Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Portanto, vê-se que não é nenhuma novidade em nosso sistema jurídico, diante de situações peculiares, mitigar-se a exigência de prévia aprovação em concurso público para ingresso nos quadros da Administração Pública.
O que resta saber, então, a meu ver, é se a modificação introduzida pela Emenda 51 foi ou não razoável, ou seja, se havia ou não alguma situação peculiar a ser protegida por meio da referida emenda.
Nesse passo, cumpre destacar que a emenda foi apresentada como uma das soluções para o problema da saúde no país, uma vez que, em face do caráter emergencial dos programas preventivos de saúde e de combate às endemias, os respectivos agentes eram contratados por meio de contratos temporários, mesmo sendo tais atividades de caráter permanente. E mais, como a demanda crescia a cada dia, a contratação de novos agentes se tornou rotina na Administração, sendo estes considerados fundamentais para o bom funcionamento dos programas, em todo o território nacional.
Destarte, conforme documento elaborado pelo Comitê Nacional Interinstitucional de Desprecarização do Trabalho no SUS (Portaria nº 2.430/GM, de 23 de dezembro de 2003), em 1991, o Programa de Agente de Saúde foi institucionalizado como política oficial do Governo Federal, por meio do Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde – PNACS, vinculado a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA.
Em 1992, com a transformação do PNACS em PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde, esta política passou a ser executada por meio de convênio entre a FUNASA e as Secretarias Estaduais de Saúde, com a previsão de repasses de recursos para o custeio do programa e o pagamento dos agentes, sob a forma de bolsa, no valor de um salário mínimo.
Ainda segundo o referido documento, no ano seguinte, o PACS já abrangia 13 Estados das regiões Norte e Nordeste, com 29 mil agentes atuando em 761 municípios. Em 1994, o programa estava implantado em 17 Estados e contava com um total de 33.500 agentes. Já em dezembro de 1997, a Portaria Ministerial nº 1.886 instituiu as normas e diretrizes para o Programa de Saúde da Família e para o Programa de Agentes Comunitários de Saúde. Tal portaria reconheceu a importância desses programas como estratégicos para a reestruturação da assistência à saúde e para a consolidação do SUS.
Assim, a proteção e contratação de agentes comunitários, inicialmente concebidas para viabilizar um programa, acabou se colocando a serviço de uma política pública fundamental para a reorientação do modelo de atenção e de organização das ações de saúde nos Municípios. Porém, restava ser solucionada a questão referente à regularização do contrato de trabalho dos agentes comunitários, que, em 2006, chegava a um total de 218 mil agentes comunitários de saúde (SIABI, setembro de 2006) e de cerca de 80 mil agentes de combates às endemias (estimativa da Secretaria de Vigilância à Saúde/MS), sendo que, em sua maioria, contratados de forma precária.
Nesse cenário, os agentes comunitários de saúde, numa organização histórica, se mobilizaram em busca da sonhada desprecarização de suas relações de trabalho. Desse modo, se reconheceram como emanadores do poder estatal e agiram como sujeito de direitos, exigindo do Poder Legislativo uma solução legítima, humanitária e condizente com a moralidade pública.
Isso porque, em verdade, o Estado sempre utilizou a terceirização na Administração Pública como forma de manutenção do status quo, o que viola frontalmente a moralidade.
Destarte, considerando a importância dos agentes na promoção da saúde nas comunidades, e com o intuito de oferecer base legal para a inserção do agente comunitário de saúde e disciplinar a forma de contratação, sem que este serviço - essencial à população - sofresse solução de continuidade, foi apresentada a proposta de Emenda à Constituição nº 007/2003, de autoria do Deputado Maurício Rands, que previa a alteração do dispositivo constitucional que disciplina a investidura em cargos e empregos públicos – art. 37, inciso II da CF/88.
No âmbito daquela Casa Legislativa, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, manifestou-se pela sua constitucionalidade. Após tramitação, amplas discussões e votação em dois turnos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, em 14 de fevereiro de 2006, sob a vigilância atenta dos agentes comunitários, foi finalmente promulgada a Emenda Constitucional nº 51.
Percebe-se, portanto, que essa reforma constitucional induz o fim da utilização dos cargos de agentes de saúde de forma eleitoreira, e, consequentemente, garante ao Estado a utilização de mão-de-obra experimentada e qualificada. Esta alteração também reconhece os direitos humanos trabalhistas dos agentes, dignificando-os através da formalização de um vínculo com a Administração Pública, pelo aproveitamento das seleções públicas simplificadas anteriormente realizadas como se concurso público fossem.
Deste modo, a permissão do artigo 2º da Emenda Constitucional nº 51/06 tem sua constitucionalidade fundada na necessidade de desprecarização da relação de trabalho dos agentes de saúde, no reconhecimento da dignidade dos trabalhadores, na legitimidade conquistada pela mobilização dos agentes, além da demanda social pela eficiência e continuidade na prestação dos serviços de saúde.
Pelo que foi exposto acima, vê-se claramente que também não há ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que a Emenda Constitucional, em verdade, concretizou a chamada igualdade material – em detrimento da mera igualdade formal -, tratando de forma desigual uma classe de pessoas, mas em função e na estrita medida de suas desigualdades.
Vale destacar que a possibilidade de contratação instituída pelo artigo 2º da Emenda em estudo não viola a obrigatoriedade do concurso público, pois apenas eleva a seleção já realizada ao status de concurso, já que o procedimento é igual e as exigências são as mesmas.
Se não bastassem os argumentos declinados acima, há outro ponto que entendo deva ser considerado e que, também, tem o condão de solucionar a questão.
Em verdade, no caso dos agentes comunitários de saúde, não há sequer uma absoluta dispensa de submissão a concurso público, ao contrário das demais hipóteses previstas na Constituição (elencadas alhures), mas tão somente uma simplificação do procedimento, estabelecendo-se a necessidade de ser feito um procedimento seletivo, que, a meu ver, constitui-se em modalidade do gênero concurso público. Vale salientar que o próprio inciso II do artigo 37 da CF/88 prevê que o concurso deverá ser realizado “de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego”.
Nessa perspectiva, JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, ao comentar a modificação introduzida pela EC n º 51/2006, bem adverte que:
À primeira vista, tal processo seletivo não seria o mesmo que o concurso público de provas e títulos, assim como previsto no art. 37, II, da CF, parecendo ter admitido procedimento seletivo simplificado – exceção ao princípio concursal. A legislação regulamentadora, porém, aludiu a processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, o que espelha o concurso público. A expressão empregada no novo texto, além de atécnica, só serviu para suscitar dúvida no intérprete; na verdade, bastaria que o Constituinte se tivesse referido simplesmente ao concurso público – instituto já com definição própria e imune a tais dúvidas.
(Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2009, p. 601)

Outrossim, no caso dos servidores já em exercício, a determinação é a mesma, pois aqueles que já participaram de processos seletivos anteriores não precisarão mais se submeter a nova seleção. Ou seja, o acesso via concurso, ainda que simplificado, ficou preservado, sendo necessária, apenas, a convalidação da seleção anterior para que seja efetivada a contratação, nos termos da Lei Federal nº 11.350/2006.
Nesse prisma, cabe destacar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já teve a oportunidade de se pronunciar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, sobre a referida modificação constitucional, in verbis:
ação direta de inconstitucionalidade. direito público não especificado. preliminar de incompetência e de litispendência rejeitadas. constitucionalidade da lei municipal que autoriza a contratação de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, mediante processo seletivo de provas e títulos e sob o regime jurídico da consolidação das leis trabalhistas – clt. expressa autorização constitucional previsão nos §§4º e 5º da constituição federal, regulamentados pela lei federal nº 11.350/2006.
preliminar de incompetência rejeitada. por maioria. preliminares de ausência de procuração e de litispendência afastadas e ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. unânime.
(TJ/RS, ADI nº 70027568724, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Comarca de Origem: Porto Alegre. Data de julgamento: 09/11/2009, publicação: diário da justiça do dia 03/03/2010).

Também a Justiça do Trabalho já teve, recentemente, a oportunidade de apreciar a questão ora em comento:
EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006. CONSTITUCIONALIDADE.
A Emenda Constitucional n.º 51/2006, ao invés de contrariar, complementa a vontade do constituinte originário, aperfeiçoando a regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, II) e a da sua exceção (art. 37, IX), já que a única mudança promovida na situação dos agentes comunitários de saúde, com a sua edição, e da Lei nº. 11.350/06, foi a regulamentação da desnecessidade de prestação de concurso público, mas tão somente de submissão dos agentes a processo seletivo público para a sua contratação, regularizando ainda a situação daqueles que, na data da promulgação da Emenda já haviam sido contratados mediante anterior processo seletivo público. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Cabíveis os honorários advocatícios, com arrimo nos artigos 5o., LXXLV, 8o., I e 133 da Constituição Federal, afastando-se, na espécie, o entendimento sufragado nas Súmulas 219 e 329, do C TST.
(TRT-7 - Recurso Ordinário: RO 1261009320095070024 CE 0126100-9320095070024, Relator(a): ROSA DE LOURDES AZEVEDO BRINGEL, Julgamento: 08/11/2010, Órgão Julgador: TURMA 1, Publicação: 29/11/2010 DEJT)

No mesmo sentido, outros precedentes também já criados pela Justiça laboral, em diversos Tribunais Regionais:

AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE REGIME JURÍDICO ESTATURÁRIO MUNICIPAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
É competência da Justiça do Trabalho as demandas envolvendo agentes comunitários de saúde, contratados sob a égide da Lei nº 11.350/2006, desde que não haja lei local, regularmente publicada, disponde de forma diversa. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. CONTRATAÇÃO. PROCESSO SELETIVO. VALIDADE. Válida é a contratação do agente comunitário de saúde aprovado em processo seletivo público, visto ser este espécie do gênero concurso público, podendo ser utilizado em face da rapidez e celeridade necessária na área de saúde, que requer admissão em caráter excepcional ou de urgência, dentro de determinadas comunidades, consoante os arts. 198, § 4º da CF/88 e 9º da Lei nº 11.350/2006. Recurso voluntário conhecido e não provido. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Remessa ex officio e recursos voluntários oriundos da Vara do trabalho de Bacabal, em que são partes ANTÔNIA MÁRCIA SANTOS DE ALENCAR (reclamante) e MUNICÍPIO DE ALTAMIRA DO MARANHÃO (reclamado).
(TRT-16: 783201000816005 MA 00783-2010-008-16-00-5, Relator(a): GERSON DE OLIVEIRA COSTA FILHO, Julgamento: 15/02/2011, Publicação: 21/02/2011)


AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. PROCESSO SELETIVO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 51/2006. VALIDADE DO CONTRATO. Demonstrado nos autos que a reclamante foi submetida a processo seletivo simplificado para o cargo de Agente Comunitário de Saúde não há falar em nulidade do contrato de trabalho por força do disposto no art. 198, §4º da Constituição Federal c/c com art. 2º, parágrafo único, da Emenda Constitucional n. 51/2006.
(TRT-14 - RECURSO ORDINARIO: RO 13620080811400 RO 00136.2008.081.14.00, Relator(a): JUÍZA ELANA CARDOSO LOPES LEIVA DE FARIA, Julgamento: 03/09/2008, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Publicação: DETRT14 n.167, de 09/09/2008)


AGENTES DE COMBATE ÀS ENDEMIAS. EFETIVAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO. REQUISITOS. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 51/2006.
Consoante a Emenda Constitucional nº 51/2006, os profissionais que, na data de sua promulgação, estivessem desempenhando as atividades de agentes comunitários de saúde ou agentes de combate às endemias, estariam dispensados de submissão a novo processo seletivo, desde que tivessem sido contratados em razão de anterior processo seletivo público. Atendidos os requisitos da norma, é devida a efetivação dos agentes de combate às endemias no serviço público do Município demandado.
(TRT-7 - Reexame Necessário: REEX 1140004320085070024 CE 0114000-4320085070024. Relator(a): ANTONIO CARLOS CHAVES ANTERO, Julgamento: 05/10/2009, Órgão Julgador: TURMA 2, Publicação: 24/11/2009 DEJT)


AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE - ADMISSÃO MEDIANTE PROCESSO SELETIVO PÚBLICO. - CONTRATAÇÃO VÁLIDA: Tem-se como válida a contratação de agente comunitário de saúde mediante prévia aprovação em processo seletivo. Inteligência do art. 2º da EC Nº 51/2006.
(TRT-22 - RECURSO ORDINÁRIO: RO 2049200900222006 PI 02049-2009-002-22-00-6, Relator(a): LAERCIO DOMICIANO. Julgamento: 15/06/2010, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Publicação: DJT/PI, Página não indicada, 13/7/2010)
Ademais, vale registrar que a regra que estabelece a obrigatoriedade de concurso público, em que pese ser de extrema relevância, não é cláusula pétrea, não havendo, assim, que se falar em inconstitucionalidade da emenda.
Ora, se tantos outros princípios importantes para a manutenção do Estado Democrático de Direito, em que pese suas relevâncias, comportam mitigações, por que não se pode conceber um abrandamento (e não afastamento, como exposto acima) da exigência do concurso público?
Tome-se, à guisa de exemplo, o princípio da legalidade administrativa. Tal princípio, apenas após hercúlea batalha dos cidadãos, foi erigido como dogma em um Estado de Direito, com o fim de se evitar abusos por parte dos governantes. Não obstante, com o passar do tempo, com a consolidação do poder do povo (democracia) e o fortalecimento das instituições, foi se admitindo, gradativamente, sua relativização, sendo certo que hoje nossa própria Constituição consagra várias exceções a este princípio, como é o caso de edição de medidas provisórias (art. 62) e os chamados decretos autônomos (art. 84, inciso VI).
Assim, não enxergo a regra do concurso público como algo imutável e intangível, que sequer pode ser ajustado pela vontade do próprio legislador constituinte, obedecendo o rigoroso procedimento de alteração da Carta Constitucional.
Por fim, cumpre analisar a alegação do Ministério Público no sentido de que a Emenda 51 afrontaria a forma federativa de Estado (esta sim cláusula pétrea), ao limitar a competência dos Municípios para legislar sobre seus servidores.
Em verdade, sem muito esforço, percebe-se que tal fundamento só serve para se defender eventual inconstitucionalidade do §5º do art. 198 da CF/88, introduzido pela referida emenda, mas não de todas as alterações, uma vez que tal violação só poderia ser enxergada neste dispositivo, in verbis:
Art. 198. Omissis.
[...]
§ 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias.

Porém, não vejo como eventual declaração incidental de inconstitucionalidade deste dispositivo possa influenciar no deslinde da demanda, uma vez que o direito à nomeação dos agentes comunitários persistiria, restando apenas a dúvida quanto a quem competiria legislar sobre seu regime jurídico.
Contudo, para que não pairem dúvidas, cabe destacar que também não se visualiza afronta à Constituição nesta disposição, uma vez que o artigo 198 da CF é claro ao prevê que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único. E o artigo 24, inciso XII menciona que é de competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal, da União e dos Municípios legislar sobre proteção e defesa da saúde. Ou seja, por ser de competência concorrente, cabe a União, nos termos do §1º deste mesmo artigo, legislar apenas sobre normas gerais, cabendo aos demais entes complementá-la.
E, efetivamente, foi o que ocorreu, pois a União editou a Lei nº 11.350/1006, estabelecendo como regra o regime celetista, mas, em seu artigo 8º, in fine, conferiu aos demais entes amplas possibilidades de adoção de regime diverso. Veja-se:
Art. 8º. Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.
(grifos acrescidos)

Assim, por todos os fundamentos ora expendidos, deve ser declarada a constitucionalidade da Emenda nº 51/2006, não havendo que se falar em vício formal ou material que macule esta modificação introduzida pelo Constituinte Reformador.

III – DOS VÍCIOS APONTADOS NO PROCEDIMENTO DE SELEÇÃO PÚBLICA DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
Como último argumento para impedir a efetivação dos agentes comunitários de saúde de Maceió, o Ministério Público Estadual sustenta que o procedimento seletivo realizado pela Secretaria Municipal de Saúde, no ano de 1999, seria nulo, por ofensa aos princípios que regem a Administração Pública.
Nesse passo, aduziu o Ministério Público que o referido procedimento submeteu os candidatos a uma entrevista, com peso 6 (seis), e um teste escrito contendo 8 (oito) questões objetivas, com peso 4 (quatro). Tal fato, na visão do MP, por si só, demonstraria que o procedimento teria privilegiado o requisito subjetivo (entrevista), ferindo, assim, os princípios da moralidade, impessoalidade e julgamento objetivo.
Porém, em que pese os relevantes argumentos trazidos pelo órgão ministerial, compulsando com vagar os autos, não enxergo provas suficientes a demonstrar vícios capazes de anular o procedimento seletivo em questão, notadamente em face da presunção de legitimidade e legalidade dos atos administrativos.
Vale salientar que a presunção de legitimidade ou presunção de legalidade é atributo presente em todos os atos administrativos, quer imponham obrigações, quer reconheçam direitos aos administrados. Esse atributo deflui da própria natureza do ato administrativo, e está presente desde o nascimento do ato e independe de norma legal que o preveja.
Em decorrência da presunção de legitimidade, o ônus da prova da existência de vício no ato administrativo é de quem alega, sendo essa, aliás, a mais importante consequência jurídica desse atributo.
Nessa perspectiva, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se manifestar sobre demanda que teve por escopo anular concurso público com base em denúncia de favorecimento de alguns candidatos e seguiu exatamente o entendimento que ora manifesto. Veja-se:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ANULAÇÃO DO XVIII CONCURSO PARA INGRESSO NA MAGISTRATURA DO ESTADO DE RONDÔNIA. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E IMPESSOALIDADE. INOCORRÊNCIA. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
I - O exame dos documentos que instruem os PCAs 371, 382 e 397 não autoriza a conclusão de que teria ocorrido afronta aos princípios da moralidade e da impessoalidade na realização do XVIII concurso para ingresso na carreira inicial da magistratura do Estado de Rondônia.
II - Não é possível presumir a existência de má-fé ou a ocorrência de irregularidades pelo simples fato de que duas das candidatas aprovadas terem sido assessoras de desembargadores integrantes da banca examinadora.
III - Segurança concedida.
(MS 26700, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 21/05/2008, DJe-117 DIVULG 26-06-2008 PUBLIC 27-06-2008 EMENT VOL-02325-01 PP-00142 RTJ VOL-00205-03 PP-01187 LEXSTF v. 30, n. 358, 2008, p. 206-224)

Assim, não há, nos autos, provas robustas que indiquem que o procedimento seletivo fora realizado ao arrepio dos princípios que norteiam a Administração Pública, procedimento este que, vale frisar, fora realizado em 1999, ou seja, há mais de uma década e sequer fora objeto de impugnação ou questionamentos judiciais durante todo esse período.
Cumpre ressaltar que a Constituição da República apenas previu que fosse realizado um procedimento seletivo e a Lei Federal nº 11.350/06 exigiu que este obedecesse aos princípios que regem a Administração Pública. Desse modo, entendo que, diante da intenção do legislador de simplificar o procedimento, não há exigência de realização de provas objetivas, podendo o procedimento até constituir-se unicamente em uma entrevista ou prova oral, desde que, é claro, não ofenda algum princípio constitucional.
Ademais, o próprio MP coligiu aos autos, às fls. 60/63, alguns formulários que foram utilizados na realização da entrevista (“roteiro da entrevista”), os quais continham as seguintes indagações aos candidatos:
1 – Possui disponibilidade para o trabalho diário das 7:30 às 11:30 e das 13:30 às 17:30 horas, de Segunda a Sexta-Feira?

2 – Possui experiência profissional na atividade de agente de saúde?
(   ) sim   (   ) não
Quanto tempo?    Onde?

3 – Qual a importância do agente de saúde para a comunidade e as atividades desenvolvidas pelo mesmo?

CONCEITO
(  ) Ruim   (  ) Bom   (  ) Ótimo   (  ) Excelente
Ruim = de 0 a menos de 3
Bom = de 3 a 4
Ótimo = mais de 4 a 5
Excelente = mais de 5 a 6

Daí resulta que as entrevistas as quais foram submetidos os candidatos, não foram totalmente subjetivas, haja vista que houve a adoção de padrões mínimos de objetividade durante a sua realização.
Além disso, vale salientar que a comissão de certificação, criada pelas Leis Municipais atacadas, formada por representantes da Secretaria Municipal de Saúde, da Procuradoria-Geral do Município, do Conselho Municipal de Saúde, do Poder Legislativo Municipal e do Sindicato da categoria (cf. art. 9º da Lei Municipal nº 5.669/07), serve justamente para impedir o acesso irregular aos empregos públicos, possuindo como única e exclusiva função certificar a legitimidade do procedimento de seleção, notadamente se este atendeu aos princípios elencados no caput do artigo 37 da Constituição da República.
Nesse passo, conforme informação constante nos autos, a Comissão de Certificação já havia analisado mais de 600 processos de agentes e só 415 tinham sido considerados como aptos para aproveitamento, segundo os critérios estabelecidos em lei (cf. fls. 197/200). Ou seja, o próprio Município possui meios de distinguir quem foram os candidatos que se submeteram ao procedimento seletivo e teriam sido aprovados e aqueles que não foram.
Vale salientar, ainda, que foi a própria Administração Pública Municipal que editou e aplicou as regras contra as quais hoje se insurge e não os candidatos que, de boa-fé, apenas se submeteram ao exame, acreditando na legalidade do mesmo. Ora, é regra comezinha de direito que a ninguém é dado o benefício de se beneficiar da própria torpeza.
Sobre isso, relevante transcrever as lições do jurista gaúcho GLÊNIO OLIWEILER FERREIRA, invocado pelo Sindicato apelante em suas razões recursais:
O Estado de Direito exige que o poder estatal seja exercido dentro de limites previamente estabelecidos, para preservar os direitos e garantias fundamentais que integram o sistema normativo.
[...]
Paralelamente, também é indispensável à preservação do Estado de Direito a proteção da boa-fé ou confiança que os administrados têm na ação do Estado, quanto à sua lealdade e conformidade com as leis. O princípio da segurança jurídica visa, assim, proteger a confiança dos administrados que acreditam na legalidade dos atos praticados pela Administração Pública, conferindo estabilidade a todo tráfego jurídico.
[...]
Os conflitos ou antinomias entre os princípios da legalidade e da segurança jurídica ocorrem justamente quando o Poder Público, sob a alegação de nulidade, decide desfazer atos administrativos que geraram, ao curso do tempo, benefícios e vantagens incorporados ao patrimônio dos administrados, que, de boa-fé, acreditaram serem tais atos válidos. O imperativo de justiça exige a adoção de critério de prevalência de um princípio sobre o outro.

E, em trecho seguinte, citando outro jurista gaúcho, ALMIRO COUTO E SILVA, conclui:
Nem sempre é fácil discernir, porém, diante do caso concreto, qual o principio que lhe é adequado, de modo a assegurar a realização da Justiça: o da legalidade da Administração Pública ou da segurança jurídica? A invariável aplicação do princípio da Administração Pública deixaria os administrados, em numerosíssimas situações, atônitos, intranqüilos e até mesmo indignados pela conduta do Estado, se a este fosse dado, sempre, invalidar seus próprios atos – a qual Penépole, fazendo e desmanchando sua teia, para tornar a fazê-lo e tornar a desmanchá-la – sob o argumento de ter adotado nova interpretação e de haver percebido, após o transcurso de certo lapso de tempo, que eles eram ilegais, não podendo, portanto, como atos nulos, dar causa a qualquer consequência jurídica para os destinatários.
Só há relativamente pouco tempo é que passou a considerar-se que o princípio da legalidade da Administração Pública, até então tido como incontrastável, encontra limites na sua aplicação, precisamente porque se mostrava indispensável resguardar, em certas hipóteses, como o interesse público prevalecente, a confiança dos indivíduos em que os atos do Poder Público, que lhes dizem respeito e outorgam vantagens, são atos regulares, praticados com a observância das leis.
(Princípios da Legalidade da Administração Pública e da Segurança Jurídica no Estado de Direito Contemporâneo. Revista de Direito Público nº 84/86).

Desse modo, não há provas que demonstrem, de forma suficiente, eventuais vícios cometidos durante o procedimento seletivo. Ao revés, os indícios apontam que este foi realizado de forma regular, tanto é assim que o próprio Município de Maceió vinha reconhecendo sua higidez por meio de comissão certificadora.
Não obstante, ainda que ninguém tenha invocado esta tese ao longo do procedimento, entendo que há um fato decisivo para solucionar a presente questão, qual seja, a verificação da incidência ou não da prescrição contra a Administração Pública.
Nesse prisma, cabe salientar que à Administração Pública aplica-se o princípio da autotutela administrativa. Este se revela na possibilidade de revisão de seus atos seja por vícios de ilegalidade, seja por motivos de conveniência e oportunidade, sem a necessidade de intervenção judicial.
Todavia, no tocante à invalidação dos atos administrativos, tal poder-dever não é absoluto, porquanto encontra limites que o tolhem, resguardando, assim, com total justificação, diversos princípios jurídicos de fundamental observância.
Nesse passo, deve-se ter em mente que o direito, enquanto ferramenta destinada a garantir paz e estabilidade no convívio social, necessita consolidar determinadas situações de modo a garantir a segurança jurídica. Como bem leciona o notável jurista alagoano MARCOS BERNARDES DE MELLO “o tempo em, si não pode ser fato jurídico, porque é de outra dimensão. Mas o seu transcurso integra com muita freqüência suportes fáticos, como ocorre na usucapião e na prescrição[3].
Sobre isso, PAULO LÔBO é claro ao advertir que:
A pessoa tem de exercer e exigir seu direito em tempo razoável, máxime quando se tratar de bens econômicos. A vida social é um eterno movimento. Quem deixa inerte seu direito compromete sua inerente função social. Não há direito isolado, que possa ser usufruído para si, sem consideração com o meio social, ou deixado de lado indefinidamente, sem consequência. A ordem jurídica fixa, portanto, prazos que considera adequados, dentro dos quais o titular do direito deve exercê-lo definitivamente, por exigência de segurança do tráfico jurídico, de certeza nas relações jurídicas e de paz social, diante de representações consolidadas no tempo da estabilidade das relações jurídicas. (Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 339).
Semelhante entendimento tem o mestre SÍLVIO RODRIGUES:
Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse social em que situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a comunidade não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta seja proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é do interesse da ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e cuja lembrança se foi. (Direito Civil. Editora Saraiva: São Paulo, volume 1)

No mesmo sentido, o saudoso PONTES DE MIRANDA, por sua vez, ensina que o instituto da prescrição "serve à segurança e à paz públicas", sendo esse, precisamente, o ponto de vista que, de modo geral, prevalece a respeito do assunto, na doutrina e na jurisprudência, embora ainda haja quem procure apresentar, como fundamento do mesmo instituto, o castigo à negligência, a aplicação do principio dormientibus non sucurrit ius, isto é, o direito não socorre aos que dormem.
Enfim, a prescrição é instrumento fundamental para assegurar a tranquilidade na ordem jurídica, na medida em que evita a eternização de situações jurídicas incertas ou indeterminadas.
No direito administrativo não é diferente, pois a prescrição se inscreve como princípio informador de todo o ordenamento jurídico brasileiro, que não admite incerteza nas relações reguladas pelo direito.
Nessa esteira, a segurança jurídica, é, pois, princípio diretor e basilar na salvaguarda da estabilidade das relações jurídicas. Não é à toa que a segurança jurídica é base fundamental do Estado de Direito, elevada que está ao altiplano axiológico. Relativamente ao referido princípio no âmbito da Administração Pública, merecem destaque as judiciosas observações do mestre J.J. GOMES CANOTILHO:
Na actual sociedade de risco cresce a necessidade de actos provisórios e actos precários a fim de a administração poder reagir à alteração das situações fáticas e reorientar a prossecução do interesse público segundo os novos conhecimentos técnicos e científicos. Isto tem de articular-se com salvaguarda de outros princípios constitucionais, entre os quais se conta a proteção da confiança, a segurança jurídica, a boa-fé dos administrados e os direitos fundamentais. (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Ed. Almedina: Coimbra, 4ª edição, p. 264 e 265).

Contudo, devo registrar que, diferentemente do entendimento sufragado acima, parcela da doutrina defende que, no que diz respeito à Administração Pública, pelo fato dela ser regida pelo princípio da legalidade administrativa e da indisponibilidade do interesse público, todo ato praticado sob a eiva de ilegalidade seria nulo de pleno direito, e, consequentmente, poderia ser desfeito a qualquer tempo, não havendo porque se falar no obstáculo da prescrição.
Considero, no entanto,  que tal corrente doutrinária não deve prosperar, pois, o apego demasiado ao princípio da legalidade torna os princípios da segurança jurídica e do interesse público inócuos. Em verdade, o administrador deverá perscrutar o caso concreto, levando em consideração os princípios da legalidade, interesse público e segurança jurídica, para concluir qual princípio será determinante para orientar o juízo de invalidação do ato administrativo viciado. Tal tarefa, no caso concreto, revela-se de difícil consecução. Todavia, num eventual conflito de princípios não implica dizer que um deles restará anulado pelo outro, mas sim, que um será privilegiado em detrimento do outro, mantendo-se, todos íntegros, pelo que não vejo como acolher a tese da imprescritibilidade.
Além disso, devo registar que há uma outra corrente doutrinária que, em que pese afastar a tese da imprescritibilidade, transplanta totalmente a teoria das nulidades do direito privado para o direito administrativo, adotando a regra da prescrição vintenária (ou decenária, de acordo com o novo Código Civil brasileiro). Afirmam os defensores dessa tese que os atos nulos prescrevem longi temporis, ou seja, em vinte anos; e os anuláveis brevi temporis, isto é, em quatro anos.
Abraçava esta teoria o eminente CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:
   Quando não houver especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deverão ser decididos por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis. Posto que o prazo mais longo estabelecido na lei civil é de vinte anos, neste prazo prescreverão as ações contra atos nulos. Quanto aos anuláveis, cumpre decidir em função da semelhança com a situação regulada na lei civil. Assim, por exemplo, os relativos a vícios de vontade prescreverão em cinco anos. (Curso de Direito Administrativo. Ed. Malheiros: São Paulo, ed. 11ª, 1992, p. 94)

Parece-nos que tal teoria não é a mais apropriada com o regime de direito público regente das relações administrativas. Ora, se o particular goza do prazo de 5 (cinco) anos para pedir a invalidação de ato viciado, por que, então, a administração gozaria de prazo 4 (quatro) vezes maior? O próprio CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO abandonou a referida tese após a 11ª edição do seu curso, atente-se:
  No passado (até a 11ª edição deste curso) sustentávamos que, não havendo especificação legal dos prazos de prescrição para as situações tais ou quais, deveriam ser decididas por analogia aos estabelecidos na lei civil, na conformidade do princípio geral que dela decorre: prazos longos para atos nulos e mais curtos para os anuláveis.
  Reconsideramos tal posição. Remeditando sobre a matéria, parece-nos que o correto não é a analogia com o Direito civil, posto que, sendo as razões que o informam tão profundamente distintas das que inspiram as relações de Direito Público, nem mesmo em tema de prescrição caberia buscar inspiração em tal fonte. Antes dever-se-á, pois, indagar do tratamento atribuído ao tema prescricional ou decadencial em regras genéricas de Direito Público. (...) É, outrossim, de cinco anos o prazo para a Administração, por si própria, anular seus atos inválidos dos quais hajam decorrido efeitos favoráveis ao administrado, salvo comprovada má-fé. (...) Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. (Curso de Direito Administrativo. Ed. Malheiros: São Paulo, ed. 13ª, 2001, p. 210).

Assim, compartilho do entendimento no sentido da necessidade de se limitar no tempo a possibilidade de a Administração invalidar seus atos, em respeito àquelas situações já consolidadas pelo decurso dos anos. E essa delimitação não deve ser igual aos preceitos que regem as relações privadas, mas sim respeitar a mesma relação de equivalência com o prazo que tem o administrado para também reclamar os seus direitos perante a Administração, ou seja, 5 (cinco) anos, conforme estabelecido nos termos do Decreto n° 20.910/32, que regula a prescrição qüinqüenal de todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública.
Nessa linha de raciocínio, aliás, é a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:
Ficamos com a posição dos que, como Hely Lopes Meirelles (1996:589), entendem que, no silêncio da lei, a prescrição administrativa ocorre em cinco anos, nos termos do Decreto n. 20.910/32. Quando se trata de direito oponível à Administração, não se aplicam os prazos do direito comum, mas esse prazo específico aplicável à Fazenda Pública; apenas em se tratando de direitos de natureza real é que prevalecem os prazos previstos no Código Civil, conforme entendimento da jurisprudência. (Direito Administrativo. Ed. Atlas: São Paulo, 2009).

Ademais, não se mostra desarrazoada a fixação de prazo para a invalidação de atos praticados pela Administração, uma vez que a Lei n° 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal, em seu artigo 54, prevê o prazo decadencial de cinco anos para a Administração proceder à anulação do ato, contado da data em que praticado, quando dele decorrerem efeitos favoráveis aos administrados.
In casu, observo que o Ministério Público ajuizou ação civil pública, mas não há, na Lei nº 7.347, de 1985, previsão de prazo prescricional para este tipo de demanda, destinada a tutelar os direitos e interesses nela disciplinados.
Porém, há disposições normativas de leis especiais que merecem atenção por que se aplicam, no que couberem, à ação civil pública, todas elas estabelecendo como regra o prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Assim, a Lei n° 9.494, de 1997, prevê:
Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 1992), por sua vez, estabelece o seguinte:
Art. 23 As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta Lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; 
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Há, como se percebe, uma acentuada tendência de seguir, quanto a prazos prescricionais da espécie, a linha pioneira da Lei da Ação Popular (Lei n° 4.717, de 1965), cujo art. 21 estabelece que "A ação prevista nesta Lei prescreve em 5 (cinco) anos".
A exceção que se põe é a da ação civil pública destinada a ressarcir o patrimônio público, fundada em ato de improbidade. A questão prescricional, aqui, é particularmente relevante em face do que estabelece o § 5º do art. 37 da Constituição Federal, segundo o qual:
Art. 37. Omissis.
§5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Bem se vê que o Constituinte, ao atribuir ao legislador ordinário a incumbência de estabelecer prazos prescricionais para ilícitos praticados por agentes administrativos, prescreveu uma ressalva, que não pode ser ignorada e cujo conteúdo e sentido devem ser desvendados pelo intérprete. Para isso, deve-se considerar que, em nosso direito, a prescritibilidade é a regra. É ela fator importante para a segurança e estabilidade das relações jurídicas e da convivência social.
São raríssimas as hipóteses de imprescritibilidade. Nas palavras de PONTES DE MIRANDA:
A prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais, que de direitos reais, privados ou públicos. A imprescritibilidade é excepcional" (MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, Tomo VI, 4ª ed., RT, 1974, § 667, p. 127).

Nessa perspectiva, se a prescritibilidade das ações e pretensões é a regra - pode-se até dizer, o princípio -, a imprescritibilidade é a exceção, e, por isso mesmo, a norma que a contempla deve ser interpretada restritivamente.
Assim, ao ressalvar da prescritibilidade "as respectivas ações de ressarcimento", o dispositivo constitucional certamente está se referindo, não a qualquer ação, mas apenas às que busquem ressarcir danos decorrentes de atos de improbidade administrativa de que trata o § 4º do mesmo art. 37. Interpretação que não seja a estrita levaria a resultados incompatíveis com o sistema, como seria o de considerar imprescritíveis ações de ressarcimento fundadas em danos causados por seus agentes por simples atos culposos.
Desta forma, tratando-se de ação civil pública ajuizada com o objetivo de anular ato administrativo supostamente violador dos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas, o prazo prescricional, ante a omissão da Lei 7.347/85, deve ser, por analogia, o previsto no art. 21 da Lei 4.717/65, tendo em vista que a pretensão poderia perfeitamente ser  exercida  por  meio  de  ação  popular,  igualmente  adequada  à  defesa  de  interesses  de natureza  impessoal,  pertencentes  à  coletividade,  nos  termos  do  art.  5º,  inciso LXXIII,  da Constituição da República.
Nesse sentido é a lição do saudoso HELY LOPES MEIRELLES:

   Apesar das diferenças entre as ações civis públicas e as ações populares, que não podem ser desprezadas, é inegável, porém, que ambas fazem parte de um mesmo sistema de defesa dos interesses difusos e coletivos. As regras aplicáveis a ambas, assim, devem ser compatibilizadas e integradas numa interpretação sistemática. Dentro desse esforço de aproximação e coordenação das duas modalidades de ações, e em virtude do silêncio da Lei n.º 7.347/85, é de se ter como aplicável às ações civis públicas, por analogia, o prazo prescricional de cinco anos previsto para as ações populares.
(In Mandado de Segurança e outras ações constitucionais. Atualizado por Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Malheiros).

Essa orientação, aliás, vem sendo aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça em vários precedentes, como se pode ver nos julgados abaixo ementados:
RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO INTERNO. PROVIMENTO DERIVADO. CARGO DE DELEGADO DE POLÍCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO. OFENSA À MORALIDADE. PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PRAZO PREVISTO NA LEI DA AÇÃO POPULAR. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA BOA-FÉ. RECURSO PROVIDO.
1. O órgão julgador, desde que tenha apresentado fundamentos suficientes para sua decisão, não está obrigado a responder um a um os argumentos formulados pelas partes.
2. Tratando-se de ação civil pública ajuizada com o objetivo de anular ato administrativo supostamente violador dos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativas, o prazo prescricional, ante a omissão da Lei 7.347/85, deve ser, por analogia, o previsto no art. 21 da Lei 4.717/65, tendo em vista que a pretensão poderia perfeitamente ser exercida por meio de ação popular, igualmente adequada à defesa de interesses de natureza impessoal, pertencentes à coletividade, nos termos do art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
3. Recurso provido para, reconhecida a prescrição, extinguir o processo com base no art. 269, IV, do Código de Processo Civil.
(REsp 912.612/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 12/08/2008, DJe 15/09/2008)


ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
PRAZO PRESCRICIONAL. CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM HONORÁRIOS. DESCABIMENTO, SALVO HIPÓTESE DE ATUAÇÃO DE MÁ-FÉ.
1. É entendimento sedimentado o de não haver omissão no acórdão que, com fundamentação suficiente, decide de modo integral a controvérsia posta.
2. Ressalvada a hipótese de ressarcimento de dano ao erário fundado em ato de improbidade, prescreve em cinco anos a ação civil pública disciplinada na Lei 7.347/85, mormente quando, como no caso, deduz pretensão suscetível de  ser  formulada em ação popular. Aplicação, por analogia, do art. 21 da Lei 4.717/65. Precedentes.
3.  Em sede de ação civil pública, não cabe a condenação do Ministério Público em honorários advocatícios, salvo comprovada atuação de má-fé. Precedentes.
4.  Recurso especial do réu parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, prejudicado o da Fazenda Pública.
(REsp 764.278/SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 28/05/2008)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
RESSARCIMENTO DE DANOS AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO POPULAR. ANALOGIA (UBI EADEM RATIO IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO). PRESCRIÇÃO RECONHECIDA.
1. A Ação Civil Pública e a Ação Popular veiculam pretensões relevantes para a coletividade.
2. Destarte, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo quinquenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio. Precedentes do STJ:REsp 890552/MG, Relator Ministro José Delgado, DJ de 22.03.2007 e REsp 406.545/SP, Relator Ministro Luiz Fux, DJ  09.12.2002.
(...)
12. Recurso Especial provido para acolher a prescrição qüinqüenal da Ação Civil Pública, mercê da inexistência de prova de dolo, restando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
(REsp 727131/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 23/04/2008)


Por estas razões, tendo em vista que o ato impugnado (procedimento seletivo) foi praticado em março de 1999 e a ação somente foi ajuizada em 06.05.2008, após ultrapassado o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no artigo 21 da Lei nº 4.717/65, não há como se acolher a pretensão do Ministério Público, por mais que se visualize vícios no procedimento (o que não é o caso, como demonstrado acima).
A aplicação analógica desse dispositivo, vale frisar, atende aos princípios acolhidos pelo sistema constitucional pátrio, notadamente o da segurança jurídica e o da boa-fé como assim já o fez também o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: PROVIMENTO DERIVADO: INCONSTITUCIONALIDADE: EFEITO EX NUNC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA. I. - A Constituição de 1988 instituiu o concurso público como forma de acesso aos cargos públicos. CF, art. 37, II. Pedido de desconstituição de ato administrativo que deferiu, mediante concurso interno, a progressão de servidores públicos. Acontece que, à época dos fatos 1987 a 1992 , o entendimento a respeito do tema não era pacífico, certo que, apenas em 17.02.1993, é que o Supremo Tribunal Federal suspendeu, com efeito ex nunc, a eficácia do art. 8º, III; art. 10, parágrafo único; art. 13, § 4º; art. 17 e art. 33, IV, da Lei 8.112, de 1990, dispositivos esses que foram declarados inconstitucionais em 27.8.1998: ADI 837/DF, Relator o Ministro Moreira Alves, "DJ" de 25.6.1999. II. - Os princípios da boa-fé e da segurança jurídica autorizam a adoção do efeito ex nunc para a decisão que decreta a inconstitucionalidade. Ademais, os prejuízos que adviriam para a Administração seriam maiores que eventuais vantagens do desfazimento dos atos administrativos. III. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal. IV. - RE conhecido, mas não provido.
(RE 442683, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 13/12/2005, DJ 24-03-2006 PP-00055 EMENT VOL-02226-04 PP-00814 LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 282-299)

Por fim, é de se ressaltar, ainda, que a sentença, nesse aspecto, é absolutamente nula, uma vez que não há uma linha escrita sequer que fundamente a nulidade do procedimento seletivo, não há a indicação do porquê de se declarar a nulidade desta, havendo apenas tal comando em seu dispositivo.
Assim, não há como, e também não se pode, anular o procedimento seletivo realizado pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió no ano de 1999. E porque não? Por duas razões principais. Primeiro, milita em favor do ato administrativo a presunção de legitimidade, que deveria ser elidida por robustas provas em sentido contrário (o que não foi feito). Ao contrário, os elementos constantes nos autos indicam que o procedimento foi realizado com a necessária objetividade. Segundo, mesmo que fossem provados eventuais favorecimentos ou afronta aos princípios norteadores da Administração Pública, em observância aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, tal questão estaria acobertada pelo instituto da prescrição administrativa.
Por tudo aqui exposto, voto no sentido de conhecer do recurso interposto pelo Sindicato dos Agentes Comunitários de Saúde de Alagoas - SINDACS/AL para DAR-LHE PROVIMENTO, reformando a sentença de primeiro grau para julgar improcedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual, ante a constitucionalidade das Leis Municipais nºs 5.669/07 e 5.670/07, assim como da Emenda Constitucional nº 51/2006, além de declarar a legalidade do procedimento de seletivo realizado pela Prefeitura de Maceió, no ano de 1999.
É como voto.
Maceió, 27 de outubro de 2011.




Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo
Relator


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