quinta-feira, 28 de agosto de 2014

PREFEITURA PAGA SALÁRIOS DO MÊS DE AGOSTO NESTE SÁBADO

A Prefeitura de Maceió pagará, neste sábado (30), o salário do mês de agosto a todos os servidores municipais. 

Fonte: Secom/Maceió

terça-feira, 26 de agosto de 2014

JUSTIFICATIVAS DA INTERNAÇÃO

Por Maurício Gonçalves, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)


Os remendos são o retrato da nossa saúde pública. O que mais se vê são curativos que tentam ocultar as chagas abertas do SUS na alma do povo alagoano.
 
O corredor sempre lotado do Hospital Geral do Estado (HGE) contrasta com a enfermaria vazia da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Benedito Bentes. Novinha em folha, como a UPA de Maragogi, mas ambas sem funcionar por falta de equipamentos e de profissionais.
 
O vão da incompetência administrativa é tão nocivo quanto a superbactéria que flana sobre os pacientes deitados no chão ou na área vermelha do HGE, dantescamente batizado por muitos como o “matadouro” ou “o corredor da morte”.
 
O olhar do jovem Roninho pede socorro. Um dos quatro irmãos tetraplégicos de Traipu, ele começou a perder as forças dos membros aos 6 anos de idade. Já tem 17, mas nunca foi tratado, sequer diagnosticado, perdeu a infância e a adolescência.
 
Os nossos repórteres continuam nesta saga pelo SUS alagoano, na edição da Gazeta de Alagoas do próximo domingo, com mais situações estúpidas e indecentes, como o caso da aposentada que vive doente porque o esgoto do Hospital Clodolfo Rodrigues, em Santana do Ipanema, invade a sua casa. Numa entrevista reveladora, a promotora de Justiça Micheline Tenório fala sobre uma série de ações movidas contra os gestores públicos e alerta: “Nenhum posto de saúde do estado tem condições para estar aberto”.

Bebê morre por falta de cardiologista pediátrico

Por Tâmara Albuquerque, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre Saúde em Alagoas)


Depois de dois meses lutando contra uma cardiopatia, o bebê Juliano dos Santos faleceu, no último dia 9, no Hospital Nossa Senhora do Roccio, em Curitiba, para onde foi transferido e seria submetido a uma cirurgia.

O bebê aguardava pelo procedimento cirúrgico desde o dia 2 de julho, quando foi cadastrado no programa Tratamento Fora de Domicílio (TFD), da Secretaria de Estado da Saúde. A demora para a transferência de Juliano – internado desde que nasceu no Hospital Universitário de Maceió –, a um hospital especializado em cardiopatias pode ter sido determinante para a sua morte.

Alagoas não dispõe de cardiologista pediátrico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, mesmo na rede privada, apenas um profissional atua na área. Assim como Juliano, crianças que nascem em Alagoas precisam buscar a oportunidade de sobrevivência em outros Estados. No ano passado, oito bebês cardiopatas nascidos no HU morreram por falta desse tratamento especializado, segundo informa a neonatalogista Ana Maria Cavalcante. Este ano, outros cinco bebês com problemas cardíacos também não resistiram à espera.

Juliano não conseguiu viver a experiência de mamar no peito da mãe. Esteve privado do aconchego da sua casa, dos cuidados e mimos da família desde que nasceu. Internado na UCI Neonatal do HU, o pequeno paciente enfrentou uma batalha gigantesca contra uma patologia cardíaca para a qual não havia chances de tratamento em Alagoas.

Juliano tinha comunicações “intraventriculares múltiplas e hipertensão arterial pulmonar” e, no caso dele, a cirurgia era a única chance de cura. Por causa da doença, o bebê não podia fazer nenhum tipo de esforço, nem mesmo sugar o leite materno.

A existência de uma cardiopatia foi percebida após as primeiras horas de vida de Juliano, pela pediatra que o acompanhou no hospital, a médica Fabiana Bastos de Medeiros. Sem condições de garantir o tratamento especializado e, já tendo vivido outras experiências que resultaram em óbitos de recém-nascidos com cardiopatias diversas, a médica encaminhou o caso ao Ministério Público Estadual. No dia 2 de julho, o bebê foi cadastrado no TFD.

“Nós o alimentamos com o leite materno por meio de uma sonda orogástrica e vamos cuidando das intercorrências. Não mediremos esforços para preservar a vida desse bebê, até que ele faça a cirurgia em um hospital especializado. Ele precisa ter essa oportunidade”, disse a médica, à época do cadastramento. “Eu sinto uma dor interior com essa impotência, porque já perdi outros bebês com cardiopatias. A cardiologia em Alagoas precisa se posicionar para dar respostas a essas famílias”, enfatizava a pediatra.

A mãe de Juliano, Alessandra Maria dos Santos, foi orientada pela médica a buscar ajuda na Defensoria Pública e em órgãos de primeira instância da Justiça, a fim de que seu filho fosse transferido para outro Estado. “Tenho mantido viva a esperança do meu bebê conseguir o tratamento. Mas tenho muito medo que essa oportunidade demore e ele não resista. Não quero perder meu filho” dizia, emocionada.

Marcelo Constant: o desafio do médico no setor público

Sem dinheiro para pagar um plano de saúde, usuários do SUS precisam ter paciência e contar com a sorte para conseguir atendimento


Por Tâmara Albuquerque, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre Saúde em Alagoas)


Maceió – O médico infectologista Marcelo Cavalcante Constant fez a opção pelo exercício da profissão no setor público, desde o início da carreira, ainda quando tinha aulas práticas no antigo Hospital de Doenças Tropicais (nomeado Hospital Escola Dr. Hélvio Auto, em 1998), e onde passou 40 anos socorrendo pessoas acometidas por doenças, muitas vezes, sem esperança de cura.

Naquela unidade – que atualmente não consegue garantir resolutividade aos usuários por problemas na estrutura física, escassez de financiamento e, especialmente, falta de profissionais – chegou ao posto de gestor, vivenciando de perto as diversas crises que acometeram a rede pública, reflexo de políticas equivocadas e, em sua avaliação, descomprometidas com a efetivação da saúde como um direito.

Defensor do Sistema Único de Saúde, o médico admite que o SUS, hoje, não consegue cumprir os preceitos básicos, previstos na Constituição, e sentencia que a área da saúde, em Alagoas, carece de soluções urgentes e efetivas para promover a inclusão, atender à demanda dos usuários e melhorar a qualidade de vida do cidadão.

Em entrevista à Gazeta, Marcelo Constant, que hoje atua como docente na Uncisal, confessa que ser profissional da saúde no setor público em Alagoas é um desafio estressante por inúmeros fatores, mas principalmente pela “pobreza franciscana” que impede a prática de uma medicina de boa qualidade. “O profissional tem ideais, sabe que tem potencial para fazer uma medicina bem feita, mas não tem condições de fazer. Faltam medicamentos, equipamentos, insumos, infraestrutura. Falta tudo. O que a gente vê é o sucateamento e a falta de profissionais”, enfatiza.
 
Quando questionado sobre como os profissionais da saúde lidam com esse quadro caótico na área, Marcelo Constant lembra que ninguém dedica sua vida a uma profissão por idealismo. “Medicina não é sacerdócio. É uma profissão e você precisa sobreviver dela. E se exige demais desse profissional. Tem um momento em que ele questiona se vale a pena [ficar no serviço público], se vale fazer medicina preventiva ou mesmo investir na carreira generalista, porque muitas vezes o profissional fica impotente para dar respostas aos pacientes por motivos que fogem à sua alçada”, diz.

O médico considera incoerente o fato de os gestores da saúde, em todas as instâncias do governo, privilegiarem ações curativas e hospitalização, e não investirem em atenção básica. Segundo ele, fazer investimentos na prevenção e no cuidado primário evitaria o adoecimento da população e a superlotação dos postos de saúde, que leva o sistema ao caos. Constant lembra que saúde tem como fatores determinantes “o meio ambiente, o meio socioeconômico, além dos fatores biológicos e da oportunidade de acesso aos serviços que fazem a promoção, a proteção e a recuperação da saúde”.

“Eu gostaria que os gestores visassem à saúde não pelo aspecto apenas da doença, porque saúde é saneamento básico, é moradia digna, é água tratada, é alimento no prato. É muito mais bem-estar físico e mental. Um trabalho eficiente na atenção básica acabaria com o caos que está instalado aqui”, comenta.

Para melhoria da saúde pública em Alagoas, Constant pontua a necessidade urgente de investimentos na estratégia Programa Saúde da Família e reclama dos recursos irrisórios que são destinados ao trabalho dos agentes comunitários. “Esses profissionais não dispõem de Equipamento de Proteção Individual (EPI) ou de um lugar para guardar seu material de trabalho. De tudo eles são carentes, inclusive de um salário digno, porque o gestor não valoriza a iniciativa como deveria e como está previsto na legislação.

Na opinião do médico, o poder público não direciona recursos suficientes para garantir uma cobertura adequada dos serviços aos usuários. “Medicina é cara em qualquer país e em qualquer nível de assistência, mas é incoerente investir em procedimentos de alto custo sem garantir, antes, o abastecimento de medicamentos básicos no posto de saúde. Penso que isso é o gerenciamento inadequado da área, reflexo da velha prática de colocar em cargos exponenciais pessoas indicadas politicamente, e não por méritos”, critica.

Para o Cremal, é preciso mudar a gestão e aumentar os recursos

Por Severino Carvalho, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)
 
Maragogi – Para o presidente do Conselho Regional de Medicina de Alagoas (Cremal), Fernando Pedrosa, a região Norte de Alagoas é a área mais deficiente em termos de assistência médica à saúde em todo o Estado. Ele classificou a situação como “lamentável”, quando em visita ao município em 2011. Três anos depois, a situação pouco mudou. “Mantemos esta mesma avaliação. Até agora a evolução foi muito pequena, incluindo um investimento no Hospital de Porto Calvo e na construção da UPA de Maragogi”.

Segundo Pedrosa, a Unidade Mista de Maragogi é absolutamente insuficiente para funcionar como tal. “Toda a região Norte carece de unidades de saúde para atendimento de emergência – e até mesmo de necessidade básica. Esperamos que o problema seja atenuado quando a UPA de Maragogi vier a funcionar”, considerou o presidente do Cremal.

Pedrosa disse que torce para que haja uma melhoria na urgência e emergência com a entrada em operação da UPA de Maragogi. “Sabemos que não basta construir a unidade apenas, mas equipá-la e mantê-la, o que exige alto custo, vontade política e prioridade à saúde pública”, destacou.

O presidente do Cremal reconhece, entretanto, que desde a criação da Estratégia da Saúde da Família (ESF) ocorreu uma melhoria no acesso da população aos serviços de saúde. Mas, na avaliação dele, a situação está distante do ideal. “É absurda a precariedade das instalações onde funcionam os postos de saúde. A falta de insumos e equipamentos tem limitado o funcionamento e não gera resolutividade aos problemas da comunidade”, frisou.

Outra dificuldade está relacionada à referência e contrarreferência, o acesso aos especialistas, bem como aos exames complementares. “Em nossas fiscalizações pela região Norte do Estado, essa precariedade é detectada de forma acentuada, basta ver nossos relatórios”, salientou.

Para reverter essa situação, aponta Pedrosa, seria necessário mudar a gestão, e aumentar os recursos aplicados na atenção básica. “Isso possibilitaria construir unidades para ESF em conformidade com o que se preconiza para o gênero, equipá-las e abastecê-las de insumos. Por fim, é imprescindível investir na satisfação profissional, com salário justo e plano de carreira”, afirmou.

O presidente do Cremal lembrou ainda que recentemente, em visita ao Estado, o Ministério da Saúde anunciou que os hospitais de pequeno porte, até 50 leitos, deveriam ser fechados. Pedrosa considera absurda a proposta.

“Para isso ocorrer seria necessário construir mais hospitais de 120 leitos. Falar em fechamento sem antes ampliar a rede é massacrar ainda mais a população. É imperativo dar condições para que as unidades existentes tenham condições de funcionamento e cumpram suas finalidades”, finalizou.

Verminoses seguem fazendo vítimas

Sem saneamento básico, esgotos desaguam em rio, no município Viçosa, e contaminam a água usada pelos moradores, que adoecem ao lavar roupas e utensílios domésticos
 
Por Maurício Gonçalves, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

 
Viçosa – O balançar das árvores exala um aroma de folha e fruto. Terra Viçosa, que dá nome ao município. Um vento ameno sobrevoa pelo campo verde vivo, cortado pelo rio que desenha a paisagem bucólica. O lavado de roupa no lajedo e o tibungo das crianças são rotina, mas o Paraíba do Meio esconde inimigos silenciosos. Uma multidão de Áscaris lumbricóidis, ansilostemídios, tênias, xistosomas e outros vermes platelmintos se banham em busca de hospedeiros e vítimas.

O contato com o rio é inevitável em comunidades como o povoado quilombola da Mata Escura. Por isso, sempre tem alguém doente na região considerada endêmica. O esgoto das casas corre a céu aberto e se mistura com fezes suínas, equinas, bovinas e com o sabão utilizado para lavar as roupas de dona Maria Neusa da Conceição. Na boca, o velho cachimbo companheiro de todas as horas, e muita história para contar sobre as desventuras trazidas pela falta de saneamento básico, de assistência à saúde básica e de atendimento hospitalar pelo SUS.

Tudo começa pela falta de noção do perigo (mais conhecida pelos burocratas como conscientização), seguida pelo desprezo à prevenção. “O meu marido teve a xistosoma e não se curou porque tomou o remédio com cachaça. Ele ficou com a pele fina e estava com a barriga assim, bem grande”, conta Maria Neusa, esticando os braços para mostrar a protuberância do ventre.

“Para piorar, ficou intoxicado e deu cirrose”, continua a agricultora que mede o passar do tempo de um modo peculiar. “Teve o tempo das mangas e o meu marido já estava internado na emergência. Acabou as mangas e ele não saiu de lá. Foi muito tempo de agonia”. Insatisfeita com o tratamento do SUS, Maria Neusa resolveu adotar suas providências para salvar o consorte. “Arrumei um bocado de folha de amêndoa boa, cozinhei para dar um banho de água morninha, juntei outras plantas e fiz um cozinhado forte para os intestinos”. Desse dia em diante, o marido melhorou. “Deve ter expulsado a verme”, imagina a agricultora aposentada.
 
Quase todos os filhos e netos de Neusa tiveram a doença. Um deles, Manoel Messias da Silva, tem a explicação. “Aqui, o esgoto vai para o rio direto, de inverno a verão. O meu pequeninho de 6 anos acusou que tem xistosoma no exame”. O combate à endemia deveria ser simples, realizar os exames nas pessoas e dar apenas um comprimido fornecido gratuitamente pelo governo.

No entanto, a endemia parece não ter fim. “As fezes de todas as casas passam na minha porta”, resume o agricultor José Cláudio. O coordenador de Combate a Endemias de Viçosa, Luiz Barbosa, informa que cerca de 40% dos recipientes entregues aos moradores para exames de fezes não são devolvidos. Mesmo assim, ele assegura que a taxa de prevalência da esquistossomose baixou de 9,5% para cerca de 5% da população.

O vaqueiro Josival de Oliveira sofre com os efeitos dessa verminose há várias safras de manga. “Deve ter uns seis anos que fizeram o exame e acusou, eu já senti a gastrite, muita dor, cólicas no pé da barriga e disenteria, hoje mesmo já tive uma disenteria da beleza”, lamenta o tratador de animais.

Ele é um exemplo da ineficiência da assistência básica à saúde nos municípios do interior de Alagoas. As visitas de agentes de saúde deveriam ser frequentes, mas Josival demorou anos doente até fazer o primeiro exame, no povoado Gado Bravo, às margens do Rio Perucaba, no município de São Sebastião. Hoje, seis meses após o diagnóstico, ele já se mudou para a fazenda Gruta Funda, na zona rural de Viçosa, e continua sem fazer o tratamento.

Eis um retrato do SUS em Alagoas. O descaso, a burocracia, a corrupção e a falta de estrutura são como vermes crescidos que lhe comem as entranhas.

PERSONAGENS

Por Maurício Gonçalves, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

A frieza dos números congela a alma do SUS. Cifras, cifrões, estatísticas e os minutos do relógio vêm à tona com a ponta do iceberg que destrói a essência do sistema único: as pessoas.
 
A rede de atenção à saúde básica é um monstrengo gigante que arremeda o Titanic. No choque entre a álgebra e a ética, os pacientes viram náufragos, agarrando-se a fichas de postos de saúde e formulários de hospitais para não se afogar no oceano do atendimento com temperatura abaixo de zero.
 
Os cidadãos do SUS sobrevivem por insistência, como as vítimas da cheia de 2010 que foram levadas para lugares sem saneamento, coleta de lixo, agentes de saúde, nem higiene.
 
É impossível ter saúde no conjunto Bosque dos Palmares, em Rio Largo, entregue pelo Programa da Reconstrução do governo do Estado. Esgoto a céu aberto, alagamentos, buracos, lixo, insetos, dengue e leptospirose fazem crer que o dinheiro federal foi jogado na lama. Há inundações frequentes nas casas.
 
Numa delas, Ana Maria da Silva, 61 anos, foi atacada por tosse, cansaço e pressão alta. Sem posto de saúde, resolveu gastar o pouco que tinha e recorreu a uma farmácia, mas o motoqueiro não conseguiu entrar para fazer a entrega. Ficou ilhada e doente.
 
Em Traipu, quatro irmãos foram ficando paralíticos e até hoje não receberam o tratamento adequado. Há doze anos, o problema segue sem diagnóstico, enquanto os meninos perdem os prazeres da infância, como jogar bola e subir em árvores. Doenças que podem se evitar deixam de ser tratadas.
 
O vaqueiro Josival contraiu esquistossomose há 6 anos, no povoado Gado Bravo, em São Sebastião, mudou-se para a fazenda Gruta Funda, em Viçosa, e nunca tratou a endemia que deveria ter acompanhamento constante nas cidades ribeirinhas.
 
Com 40 anos de exercício da medicina, o infectologista Marcelo Constant frisa que saúde pública não é doença, “é saneamento, moradia digna, água tratada e alimento no prato”. E sem o básico, o presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremal), Fernando Pedrosa, alerta que o fechamento de hospitais no interior de Alagoas é um “massacre à população”.

Contratos milionários estão sob suspeita

Por Thiago Gomes, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)



Sessão ordinária do Conselho Municipal de Saúde de Maceió no dia 22 de jullho (Foto: Lázaro Calheiros/Sindas-AL) 


Maceió – Sem planejamento, o sistema de contratualização dos hospitais públicos e conveniados de Maceió está suspenso temporariamente. Por ser um mecanismo eficiente, que amarra essas unidades para garantir leitos de internação e realização de exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de um incentivo financeiro, centenas de vagas, para quem não tem plano de saúde, deixam de existir em Alagoas.

Os membros do Conselho Municipal de Saúde (CMS) da capital reclamam que não participaram do processo e que ele foi aprovado à revelia, sem o consentimento do colegiado, o que seria uma exigência legal. A parceria com o Hospital do Açúcar foi cancelada durante a 146ª reunião ordinária do conselho, realizada no dia 22 de julho. Somente após as eleições de outubro os conselheiros voltarão a deliberar sobre o assunto. Na verdade, até lá, eles pretendem analisar todos os contratos e voltar o tema à pauta.

Em Maceió, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) pode abrir contrato com um hospital público, que é o Hospital Universitário (HU), e mais quatro conveniados (Hospital do Açúcar, Santa Casa de Maceió, Maternidade Nossa Senhora da Guia e Hospital Sanatório).

A presidente do CMS, Flávia Citônio, explica que, a partir da decisão do conselho, nenhuma contratualização está autorizada na capital, antes que haja a apreciação de todos os processos. E o motivo para a suspensão, segundo ela, é muito simples: não houve o envio das informações requisitadas exaustivamente pelos conselheiros sobre os instrumentos firmados entre a prefeitura e as respectivas unidades de saúde.

 
(Foto: Lázaro Calheiros/Sindas-AL)
 
Desde fevereiro de 2013, o conselho pede esclarecimentos à SMS sobre a contratualização dos hospitais de Maceió, o que só aconteceu em 16 de junho de 2014, em uma reunião extraordinária do colegiado, bem perto de expirar o prazo (30/06) para o envio, ao Ministério da Saúde, do Plano Operativo Anual (POA), que subsidiaria os futuros contratos.

A responsabilidade de apresentar detalhes sobre a dinâmica da contratualização do Hospital do Açúcar ficou com o médico Eliel Veiga, que responde pelo Controle, Avaliação e Auditoria da SMS. O órgão corria contra o tempo para enviar a papelada na data limite, temendo que o acordo fosse empurrado para 2015.

Como a reunião aconteceu somente para que o plano fosse exposto, o conselho só teve um novo encontro no início de julho, quando o assunto foi colocado em pauta, já para deliberação, mas o conselheiro Maurício Sarmento da Silva, representante do Sindicato dos Agentes de Saúde de Alagoas, pediu vistas, adiando a decisão do colegiado. A própria presidente havia emitido um parecer recomendando a suspensão e, após análise, Sarmento fez o mesmo, sendo seguido pela maioria.

 
Flávia Citônio explica que há uma portaria, editada pelo Ministério da Saúde, em julho de 2010, que disponibiliza para Maceió R$ 12 milhões anuais, que podem ser usados para contratualização de hospitais. O fato é que, no entendimento do conselho, o município tem um teto fixo para gastar com alta e média complexidades. A partir dele, podem ser dispensados incentivos para outras áreas, a exemplo do programa Cegonha e UTIs. O que sobra, segundo o colegiado, não pode ser pago como incentivo, apenas produção. “Visualizamos que o pagamento ao Hospital do Açúcar não poderia ser enquadrado como incentivo. É um hospital que não está bem das pernas e que não produz”, avalia a presidente.
 
Conselheiro Maurício Sarmento requereu suspensão do processo de contratualização do convênio entre a SMS Maceió e o Hospital do Açúcar (Foto: Lázaro Calheiros/Sindas-AL)
 

R$ 43 MILHÕES

No relatório do parecer, o conselheiro Maurício Sarmento considerou uma resolução do próprio conselho, suspendendo o convênio até que fossem cumpridas todas as etapas burocráticas no processo de contratualização com o Hospital do Açúcar. Lembrou ainda a existência de outra resolução em que cobrava da Secretaria Municipal de Saúde a publicação e o cumprimento imediato da suspensão do convênio. E ressaltou que, se a contratualização fosse firmada, o Hospital do Açúcar receberia R$ 43 milhões, como saldo retroativo, o que comprometeria o teto.

“Quero deixar claro que nem eu e tampouco o Conselho Municipal de Saúde somos contrários a essa dinâmica de contratualização. O que estamos buscando é a participação do conselho neste processo, avaliando o impacto e deliberando, se tudo estiver nos padrões legais. Compreendemos que há muita controvérsia e, após as eleições, voltaremos a discutir o assunto”, garante Flávia Citônio.

SECRETARIA RESPONDE

A assessoria de imprensa da SMS informa que, após a decisão do conselho, fica interrompido o fluxo para realização de procedimentos que já estavam agendados pelo Complexo Regulador (Cora), principalmente de procedimentos que não eram realizados pelo SUS.

A respeito da demora no envio das informações sobre as contratualizações, o órgão explica que o processo do Hospital do Açúcar foi encaminhado ao Conselho Municipal de Saúde, antes da assinatura do convênio.

Quanto à denúncia de que o Hospital do Açúcar receberia cerca de R$ 43 milhões, a secretaria informou que a contratualização estabelece o pagamento pré-fixado e pós-fixado.

“No pagamento pré-fixado, o repasse ao hospital é integral e inclui os procedimentos de média complexidade ambulatorial e hospitalar, como também os incentivos federais. A avaliação de metas quantitativas e qualitativas será feita a cada trimestre, pela Comissão de Contratualização, a ser composta por membros da SMS de Maceió, Sesau, do prestador e do Conselho Municipal de Saúde, que deverá propor alterações ou não na contratualização. Quanto ao pós-fixado, que contempla a alta complexidade, será pago mediante procedimentos aprovados. Informamos também que, na contratualização, o valor total dos recursos propostos considera os 12 meses do ano”, responde o município.

UPA gera briga por dinheiro público

Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Palmeira dos Índios – A abertura da Unidade de Pronto Atendimento (UPA), em abril deste ano, marca também o início de uma queda de braço entre os gestores do Hospital Santa Rita e a Prefeitura de Palmeira dos Índios. O município recebe, do governo federal, uma rubrica de R$ 160 mil por mês, para manter atendimento de urgência e emergência pelo SUS. Esse dinheiro, que antes era destinado ao Santa Rita, agora estaria sendo repassado pela prefeitura para a UPA.

“O fim desse repasse desequilibrou totalmente as contas do hospital, que pela primeira vez passaria o ano sem recorrer a empréstimos bancários para pagar as contas. Sem o dinheiro, está difícil manter as equipes de atendimento e a porta de emergência seria fechada. Isso só não aconteceu porque estamos atendendo a um pedido do Ministério Público. Mas a situação é muito difícil”, declara o provedor do hospital, Roberto Salgueiro.

Segundo o gestor, o funcionamento da UPA não diminuiu a média de atendimentos na emergência do hospital. “Em vez disso, aumentou a nossa responsabilidade, uma vez que a quantidade de encaminhamentos cresceu. Até agora, a UPA não engrenou”.

No mesmo dia em que ocorreu audiência pública para debater a saúde na cidade, em 1º de agosto, o prefeito James Ribeiro concedeu entrevista em uma emissora de rádio afirmando que não existe dívida alguma do município para o Hospital Santa Rita. Ribeiro afirmou que, de novembro do ano passado até julho, a prefeitura repassou um montante próximo de R$ 13,5 milhões, dos quais R$ 4,6 milhões seriam para a emergência.

Ribeiro garante que pode comprovar os valores depositados à direção do hospital e que, agora, quando o carro de som for fazer propaganda das ações da prefeitura, vai incluir também uma prestação de contas sobre os repasses da Saúde.

O prefeito afirma que o hospital tem médicos ganhando salários de R$ 30 mil, mas não dispõe de um cirurgião nos plantões, fazendo com que vários pacientes sejam transferidos para Arapiraca e Maceió.

Enquanto a polêmica não é resolvida, o Ministério Público permanece na retaguarda. A promotora Salete Adorno informa que o provedor do hospital procurou o órgão ministerial para fazer a mediação do caso. “Seria melhor que pudessem resolver entre eles porque, até agora, é a palavra de um contra a palavra do outro. Eu esperava até que, durante a audiência pública, quando hospital e prefeitura expusessem seu lado sobre o assunto, eles poderiam entrar em um acordo”.

A promotora salienta que precisa de mais informações. “O hospital tomou a iniciativa de pedir uma auditoria nas contas e também se ofereceu para prestar contas. Mas, para que a gente possa ter uma posição ou definir providências, é necessário ter acesso a mais dados. O que a gente não precisa esperar para fazer é dar encaminhamento a um trabalho educativo, porque quem nasceu em Palmeira dos Índios cresceu procurando o hospital em caso de emergência. Agora a população precisa se acostumar com a UPA”.

CORA, UPAS, CONTRATUALIZAÇÃO

Por Maurício Gonçalves, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Alagoas é um estado de coisas, ao contrário. Enfiaram a mão na Saúde pública e viraram pelo avesso. Prevenir seria melhor que remediar, mas os males de alta e de média complexidade consomem o bolo (e as migalhas) que deveria ser investido na atenção à saúde básica. Contratos milionários de hospitais e serviços estão sob suspeita.
 
Num deles, o Conselho Municipal de Saúde de Maceió suspendeu a contratualização do Hospital do Açúcar, evitando o repasse de R$ 43 milhões de saldo retroativo. Negócio comparável à assinatura de um cheque em branco, por serviços que ainda seriam realizados. Tem verba à vontade para poucos, falta para todo o restante. Pacientes com câncer são abandonados.
 
Noêmia Vieira tirou de onde não tinha para pagar mamografia e ultrassom, só conseguiu a mastectomia por ordem da Justiça. O Hospital Hélvio Auto fecha as portas para novos portadores de HIV. Em Alagoas, o SUS não realiza cirurgias cardíacas em bebês como o pequeno Juliano, de 2 meses, que não conseguia nem sugar o seio materno e morreu.
 
O Estado não cumpre a lei e o povo pede socorro à Defensoria Pública, ao Ministério Público e à Justiça para se tratar. São quase 2 mil ações por ano para conseguir remédios, exames, tratamentos e cirurgias. Em tempos de política, salvadores da pátria e soluções ardilosas se multiplicam. Da ambulância do vereador à venda de fichas no Cora, tudo pode acontecer.
 
Em Santana do Ipanema, colocaram uma placa na parede externa do hospital e, pronto, estava criada uma UPA de fachada. A porta de entrada dá acesso ao mesmo setor de emergência que sempre existiu. O macete teria garantido dinheiro para a ampliação da unidade fantasma e pagamento de 18 médicos e seis profissionais.
 
A UPA de Palmeira dos Índios foi construída, de fato, mas sobrevive com o dinheiro que deixa de ser enviado para o hospital da cidade. Cobre um santo, descobre-se a vergonha.


“Alagoas deixa de internar 4 mil pacientes ao mês por falta de recursos”

Humberto Gomes de Melo critica má gestão dos recursos públicos na área da saúde em Alagoas


Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

O financiamento inadequado e a má gestão dos recursos públicos estão por trás da situação degradante da saúde pública em Alagoas, que leva à população a se deparar, no dia a dia, com a dificuldade de acesso aos serviços, o mau atendimento, as filas e os sofrimentos em hospitais e unidades de saúde, na avaliação do médico Humberto Gomes de Melo. Presidente da entidade nacional e estadual que representa os hospitais da rede privada no país, ele afirma que esses dois fatores são os impeditivos para que o Sistema Único de Saúde (SUS) – que define como um grande avanço na política nacional – cumpra sua missão constitucional.

As verbas que sustentam o setor (hoje o orçamento da saúde é de R$ 106 bilhões) não são suficientes para o país que se propõe a garantir tratamento adequado e de qualidade a todos os cidadãos (princípios da universalidade e integralidade). Para esse quadro mudar, na avaliação do médico alagoano – assim como de outros especialistas na questão –, é preciso alocar mais recursos para o setor. O governo federal não tem percentual fixo para investir na saúde e ao longo dos anos faz desembolsos cada vez menores para o segmento. Em entrevista à Gazeta, Humberto Gomes utiliza os números para mostrar uma realidade inconteste.

Gazeta. Qual avaliação o senhor faz do Sistema Único de Saúde (SUS)?

Humberto Gomes de Mello. Nos primórdios, antes de 1988, a saúde era prestada de forma dicotomizada: de um lado, os trabalhadores com carteira assinada, que tinham direito à assistência dentro do que determinava a Previdência Social [institutos como Inamps]; do outro, o restante da população, considerada indigente e que era assistida pelos governos dentro das suas condições. Com a Constituição, foi definido o SUS, que eu considero um avanço porque, a partir de então, a saúde passou a ser universalizada, hierarquizada e descentralizada. Saúde, por lei, se transformou em um direito de todos e dever do Estado, dos três níveis de governo.

Qual o maior problema da saúde na atualidade?

Financiamento e má gestão dos recursos [financeiros e físicos] são o maior problema da saúde. Eu entendo que os constituintes foram sábios quando definiram nas disposições transitórias que 30% da seguridade social deveria ser destinada à saúde. Na época do governo Itamar Franco [1992/1995], no entanto, o ministro Antônio Britto [Previdência Social] afirmou que este repasse comprometia o pagamento da Previdência e essa fórmula foi mudada. Sempre que a saúde precisava de recursos, tinha de recorrer à lei de Diretrizes Orçamentárias para definir um percentual do orçamento para o setor. Desde então, os recursos começaram a escassear. Se hoje a saúde recebesse os 30% da seguridade social, o país teria um valor bem maior que o destinado, por exemplo, no ano passado, que foi em torno de R$ 77 bilhões para a assistência hospitalar e R$ 40 bilhões para a assistência ambulatorial.

Em 2012, o governo federal, os Estados e as prefeituras destinaram à saúde R$ 73 bilhões. Em 2013, o montante passou a R$ 77 bilhões. São números fabulosos que, segundo o Senado, dariam para construir 3.500 hospitais de médio porte num ano. Ainda assim, este financiamento é insuficiente ou a gestão deles é o problema?

O financiamento é o ponto crítico e não pode ser desprezado, pois sem recursos não se pode prestar a assistência que é definida na Constituição. É por esta razão que existem as demandas judiciais em um quantitativo enorme. Vamos fazer uma comparação: a população brasileira é de 200 milhões de pessoas e hoje ¼ dessa população, ou 50 milhões, possui planos de saúde, que dão apenas assistência ambulatorial e hospitalar. No ano passado, as operadoras de planos de saúde gastaram R$ 91 bilhões para atender os seus 50 milhões de usuários. Já o governo federal gastou, no mesmo período, R$ 40 bilhões para atender 2/4 da população que depende do SUS. Isso significa que, para dar a mesma assistência que os planos de saúde dão aos seus usuários, o governo deveria ter investido R$ 273 bilhões na saúde. Se formos fazer as contas, faltaram R$ 230 bilhões para investimentos na rede pública. É dinheiro demais? É. Mas está na Constituição que é dever do Estado. Outra comparação: as operadoras internam, em média, 15% a 16% dos seus usuários. O Ministério da Saúde define que as secretarias estaduais façam sua programação para internamento levando em conta apenas 8% da sua população atendida, ou seja, metade daquilo que as operadoras estão ofertando. E a saúde de quem tem plano de saúde é pior que a dos usuários do SUS? Sabemos que não.

Em relação a Alagoas, o que revelam as estatísticas?


 Em relação a internamentos, se a gente levar em consideração a população de Alagoas, de 3 milhões de habitantes, e aplicar o percentual de 8% determinado pelo governo federal, deveríamos ter 240 mil internações. Entretanto, em 2013, o Estado, por meio do SUS, realizou menos de 160 mil internações. Foram mais de 50 mil pessoas que deixaram de ser internadas, dentro daquele parâmetro do Ministério da Saúde (e incluindo 30 mil da saúde privada). São 4 mil usuários do SUS por mês que, por falta de recursos, deixam de ser internados. É aí que os municípios recorrem à ‘ambulancioterapia’. Eles transportam o paciente para Maceió e agravam o quadro do já superlotado Hospital Geral do Estado. Não existem recursos suficientes para garantir a assistência. Em todo o país, apenas ¼ da população possui plano de saúde e, em Alagoas, essa parcela é de 11,15%. Isso significa que 89% da população depende do SUS para ter acesso à saúde. Nós estamos em 17º lugar na lista dos Estados com maior dependência do SUS, sendo São Paulo com a menor dependência.

O que o senhor, como gestor, apontaria como solução viável pra resolver a questão de financiamento da Saúde?


Na minha visão, os recursos deveriam ser distribuídos proporcionalmente à dependência da população ao SUS. Em 1990, quando foi publicada a Lei Orgânica da Saúde (Lei no 8.080, de 1990), sancionada pelo então presidente Fernando Collor, foi definido que os recursos da saúde deveriam ser distribuídos da seguinte forma: metade proporcionalmente a esta dependência e metade observando as condições sanitárias. Há anos isso foi modificado e, desde então, essa distribuição fica à mercê da aprovação do Congresso. Na gestão dos recursos, os problemas são decorrentes da falta de continuidade. Cada vez que muda ministro, governador e secretário de Saúde muda tudo o que vem sendo desenvolvido e, dessa forma, o tempo fica escasso para que se faça planejamento e realizações para a saúde, sem falar nos desvios e nos desperdícios.

Ampliação da UE do Agreste se arrasta há mais de 4 anos

Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Arapiraca – A ampliação da Unidade de Emergência (UE) do Agreste já era anunciada desde a sua inauguração, no ano de 2003, mas só foi iniciada há quatro anos e, até hoje, não tem um prazo certo para ser concluída. Os gestores do hospital esperam que pelo menos a primeira etapa da obra fique pronta, entre o fim deste ano e início de 2015, com a transferência da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e da porta de entrada da emergência para as novas instalações.

Segundo a diretora da UE, Teresa Cruz, a estrutura física desta primeira etapa da obra está praticamente pronta. “O que falta é a parte da fiação, das instalações necessárias para os equipamentos, e os aparelhos para deixar a estrutura funcionando. A gente pretende começar a usar esta nova estrutura até o começo de 2015”, explica. A segunda etapa, que compreende a ampliação da área de internamento, ainda não tem nenhum cronograma.

As obras da primeira etapa até avançaram um pouco, mas, por muito tempo, esta ampliação da UE foi considerada um “elefante branco” para o Estado. Atualmente, o hospital conta com 85 leitos, incluindo observação e UTI, quantidade pequena para a unidade que é referência em traumas, atende mais de 50 municípios do Agreste, Sertão e Baixo São Francisco, até porque recebe pacientes transferidos do Hospital Clodolfo Rodrigues, em Santana do Ipanema.

Em 2007, a Prefeitura de Arapiraca doou o terreno vizinho ao hospital para iniciar o projeto que pretendia dobrar a capacidade de atendimento e de internações da Unidade de Emergência Dr. Daniel Houly. A assinatura da ordem de serviço levou ainda outros três anos para acontecer. Em 2010, houve uma cerimônia cheia de pompa em que foi anunciado o início imediato da obra, que custaria R$ 12 milhões e deveria ser concluída em menos de um ano.

Ficou só na promessa. Desde então, a obra passou por inúmeras interrupções, pelos mais diversos motivos, e ficou a maior parte desse tempo inerte. Em agosto do ano passado, após uma visita técnica, o governador Teotonio Vilela Filho garantiu a retomada dos trabalhos e deu a previsão de conclusão da primeira etapa em seis meses.

A ampliação deveria ser urgente, já a lotação da UE quase sempre ultrapassa 100% da quantidade de leitos. “Entre a noite de sexta e a manhã de segunda-feira, muitas vezes ficamos superlotados e não tem como evitar que os pacientes fiquem nos corredores, mesmo com os leitos de retaguarda no Hospital Chama”, admite Teresa Cruz.

Os chamados leitos de retaguarda são referentes aos encaminhamentos para cirurgias eletivas que são feitas no Chama, por meio de parceria com a Unidade de Emergência. Com a implantação da triagem na entrada da emergência, os pacientes que não necessitam de cirurgia de emergência são encaminhados para o outro hospital.

“Esses pacientes são imediatamente atendidos, como todos os demais. Depois que são estabilizados e não há mais risco de morte, embora eles ainda precisem passar por uma cirurgia que não é emergencial, são encaminhados para o Chama. Isso diminuiu o tempo de ocupação dos leitos da UE”, justifica a diretora da UE.

Passo do Camaragibe perde hospital e maternidade

Por Severino Carvalho, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Passo do Camaragibe – Na tarde de quarta-feira (23 de julho), a Gazeta de Alagoas acompanhou o drama de Maria Cícera dos Santos, 27 anos. Sentindo as dores do parto, ela esperava na Unidade de Saúde de Passo do Camaragibe o sinal verde da Central de Regulação de Serviços de Saúde (Cora) para seguir a uma maternidade de Maceió. Foram quase 40 minutos para que o sistema encontrasse um leito na capital alagoana. Nesse intervalo, a bolsa rompeu e Maria Cícera ingressou às pressas na ambulância, encharcada de medo e revolta.

“O Cora é a treva”, disparou a diretora administrativa da unidade, Cícera Girlene Maria Nogueira. “Muitas vezes o sistema libera a viagem e quando a ambulância chega a Maceió não encontra a vaga reservada. O motorista volta e a gestante acaba tendo o filho em casa ou mesmo dentro da própria ambulância”, lamenta Girlene.

Impotente, a parteira Maria de Lourdes dos Santos, 59 anos de idade e 32 de profissão, assistia ao drama de Maria. Não tinha muito o que fazer, a não ser acalmá-la, orientá-la. A unidade de saúde de Passo do Camaragibe teve a maternidade desativada quando perdeu a categoria de hospital em 2012, revelou Girlene. Para a parteira, o fechamento da maternidade correspondeu à dor de ter sido apartada do único filho.

“Eu me senti arrasada. Gostaria muito que a maternidade fosse reativada”, declarou a parteira. O Hospital Municipal Doutor Carlos Gomes de Barros, com 24 leitos, se transformou em uma espécie de pronto-atendimento 24 horas, como a própria placa informa, erguida em um totem, em frente ao prédio de alvenaria, onde funcionava o antigo hospital.

Com uma média de 60 atendimentos diários a unidade é tocada em cogestão com o governo do Estado, em um custo mensal de R$ 140 mil, necessários para manter, na teoria, uma equipe médica 24 horas, revelou a diretora.

O atendimento é ambulatorial. Em casos graves, o paciente é estabilizado e transferido ao Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió. Em casos simples, também. Se houver, por exemplo, uma suspeita de fratura no dedo mindinho, o paciente terá de ser removido. É que ali não existe aparelho de raio-X.

“Perdemos o hospital porque possuímos menos de 27 leitos. Temos aqui duas ambulâncias e elas não param: é uma chegando, outra saindo. Para a população do Passo, que é carente, o fechamento do hospital foi péssimo. Como não podemos manter pessoas internadas aqui, os parentes precisam visitá-los em Maceió, mas não têm dinheiro para as viagens”, declarou a diretora administrativa, que ainda sonha em reativar o hospital.

Mais próxima de renascer está a maternidade. A parteira e a diretora administrativa esconderam a mesa de parto e outros equipamentos em um dos banheiros do centro cirúrgico do extinto hospital para evitar que funcionários da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) recolhessem o equipamento, quando da desativação da unidade hospitalar.

Mesmo contrariando as recomendações da Sesau, Girlene pretende reabrir a maternidade para casos emergenciais, como o de Maria, a parturiente que teve a bolsa rompida e viajou às pressas para dar à luz em Maceió. A mesa de parto recebeu pintura e já se encontra instalada.

“Não adianta enviar a gestante para Porto Calvo que eles não recebem, dizem que o caso é de risco, colocam mil e uma dificuldades. O hospital de lá só é bonito na propaganda, porque até um dia desses até o telefone tava cortado”, revelou Girlene.

OUTRO LADO

A Sesau negou o fechamento do hospital de Passo do Camaragibe. A secretaria esclareceu que a unidade é destinada ao pronto-atendimento 24 horas, por meio de cooperação técnica e financeira com a secretaria de Estado (termo de cooperação mútua) com repasse mensal de R$ 95 mil ao município.

Unidade de saúde é alvo de críticas diárias

Por Severino Carvalho, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Porto Calvo – A diretora administrativa do hospital municipal, Cleide Maria da Silva Azevedo, lamenta que o São Sebastião seja alvo constante de reclamações dos usuários de Porto Calvo, apesar dos investimentos ali realizados e do esforço diário para mantê-lo em funcionamento. As queixas acabam surgindo em razão de a unidade trabalhar no limite. Com 42 leitos, é considerado de médio porte e faz cerca de 170 atendimentos diários.

“Quando assumi, em maio, encontrei três enfermarias lacradas pela Vigilância Sanitária Estadual por causa de infiltrações e mofo nas paredes. Isso já foi resolvido. Desde a reabertura do Centro Cirúrgico, já realizamos 97 cirurgias. As pessoas criticam muito, mas quando vêm aqui e conhecem a realidade, mudam de opinião”, citou Cleide.

Na avaliação do secretário municipal de Saúde, Paulo de Jesus, só há uma solução para tornar o São Sebastião em referência para o Norte do Estado: tirar do papel o projeto de regionalização e efetivar a implantação do modelo de Contrato Organizativo da Ação Pública de Saúde (Coap).

Trata-se de um pacto de colaboração firmado entre entes federativos, cujo objetivo é a organização e a integração das ações e dos serviços, em uma região de Saúde, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência aos usuários. O contrato define as responsabilidades de cada ente: prefeituras, Estado e União.

“Falta efetivar a regionalização da saúde. Esse é um programa alardeado pelo governo do Estado que não foi implementado. Os municípios circunvizinhos precisam colocar dinheiro aqui (no hospital). Também precisamos de mais recursos do Ministério da Saúde e do próprio Estado”, ponderou Paulo de Jesus, que já solicitou à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) a inclusão do São Sebastião no Prohosp, que contempla às especialidades da média e alta complexidade, como cirurgia cardíaca adulto e infantil, traumatologia, saúde auditiva, UTI, entre outras áreas. “São recursos a mais”.


SESAU

Consultada, a Secretaria de Estado da Saúde respondeu, por meio de sua assessoria, que a gestão do hospital de Porto Calvo é municipal; recebe repasses dos Programas de Assistência à Urgência e Emergência (Provida) e de Implementação da Rede de Atenção Materno-Infantil de Alagoas (Promater): R$ 19.051,45/mês e R$ 17.58,79/mês, respectivamente.

O Hospital Municipal de Porto Calvo – informa a Sesau – será contemplado com leitos de retaguarda (R$ 651.525,00/ano) e o de São Luís do Quitunde com sala de estabilização (R$ 420.000,00/ano). Para isso, aguarda a publicação da portaria da Rede de Urgência e Emergência (RUE) pelo Ministério da Saúde.

A 2ª Região de Saúde é composta por nove municípios: Jacuípe, Maragogi, Porto Calvo, Japaratinga, Matriz de Camaragibe, Porto de Pedras, São Miguel dos Milagres, Passo de Camaragipe e São Luís do Quitunde.

“Está agendada reunião com os secretários municipais e representantes da Sesau e Cosems (Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Alagoas) para definição dos Hospitais de Pequeno Porte da região visando melhorar a assistência. Já o Coap está aguardando alguns entendimentos ainda com o Ministério da Saúde e o Consems”, relatou a Secretaria de Estado da Saúde.

Região Norte fica sem referência

O Hospital Municipal São Sebastião deveria atender nove municípios da região Norte, mas, sem recursos para a gestão, só recebe os moradores de Porto Calvo

Por Severino Carvalho, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)


Porto Calvo – Pelo Plano de Regionalização da Saúde de Alagoas, o Hospital Municipal São Sebastião, em Porto Calvo, é considerado referência para nove municípios do Norte do Estado que integram a 2ª Região de Saúde. Investimentos da ordem de R$ 800 mil foram realizados na compra de equipamentos e em melhorias físicas do prédio que possibilitaram a reabertura do centro cirúrgico, em janeiro, depois de vinte anos de inoperância.

As máquinas, que passaram quase cinco anos encaixotadas, enfim foram instaladas, mas permanecem subutilizadas. Com os parcos recursos disponíveis para a gestão, o hospital só consegue atender a população do próprio município com pequenas cirurgias agendadas (eletivas e ambulatoriais) e de 15 em 15 dias. A maternidade permanece fechada: só atende partos normais, sem nenhum risco. O centro radiológico encontra-se inoperante, apesar de pronto.

A consequência disso vem em cadeia. Desestruturados e sem referência, os hospitais e unidades de saúde dos demais municípios da 2ª Região de Saúde continuam a enviar diariamente, dentro de ambulâncias, seus pacientes a Maceió, em viagens cansativas e perigosas, sobrecarregando o sistema de saúde da capital.

“Meu sonho é ver diminuir essa romaria de ambulâncias para Maceió”, confessa o secretário municipal de Saúde de Porto Calvo, Paulo de Jesus. Para se ter uma ideia do cenário de precariedade do serviço público de saúde da região Norte de Alagoas, em nenhum hospital – de Maragogi a São Luís do Quitunde – há um aparelho de raio-X sequer em funcionamento. À mínima suspeita de fratura, o paciente é conduzido a Maceió, ou até mesmo a Recife ou Barreiros, em Pernambuco.

“O nosso centro radiológico – com raio-X e mamografia – está pronto. Para colocá-lo em funcionamento falta o aporte de recursos”, observou Paulo de Jesus. Para tornar, de fato e de direito, o Hospital Municipal de Porto Calvo em referência, porém, não é necessário esperar a volta messiânica de dom Sebastião. Na avaliação de Paulo de Jesus, a solução é terrena mesmo: depende apenas dos homens de boa vontade e de planejamento.
 
“Os repasses totalizam R$ 150 mil e 80% desse valor vem do Ministério da Saúde. O Estado, acredite, só repassa 5%; o restante (15%) é conosco e ainda temos de desembolsar mais R$ 100 mil da própria Secretaria Municipal de Saúde para mantermos a unidade funcionando. A gestão é tripartite, mas o repasse, irrisório. Se com esses recursos a gente mantém o hospital aberto, imagine com R$ 450 mil em repasses, que seria o ideal? Com esse valor seria possível implantarmos cirurgias ortopédicas e pediátricas”, comparou o secretário.

De acordo com ele, o Hospital São Sebastião já atende os pacientes advindos de Japaratinga, Porto de Pedras e de Jacuípe. A unidade disponibiliza atendimentos especializados em cardiologia, neurologia, angiologia, entre outras áreas. O centro cirúrgico, porém, só atende os moradores de Porto Calvo.

Médico cirurgião, Paulo de Jesus alega que seria como cortar na própria carne disponibilizar todos os serviços do hospital aos moradores da região (uma população estimada em 150 mil pessoas) com os parcos recursos que dispõe na atualidade.

Obra gasta fortuna, é malfeita e causa doenças

Esgoto corre a céu aberto nas ruas de conjunto da Reconstrução, em Rio Largo, e ameaça a saúde dos moradores
 
Por Thiago Gomes, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)


Rio Largo – Como se não bastasse a ferida na alma por ter perdido tudo na devastadora enchente de 2010, os remanescentes de Rio Largo, na região Metropolitana, agora estão adoecendo por causa do esgoto que corre livre pelas ruas do mal planejado Conjunto Bosque dos Palmares, erguido com dinheiro do governo federal destinado à reconstrução dos municípios atingidos. Os desabrigados ganharam a casa e, com ela, o risco de contrair as mais variadas doenças. Sempre que chove, a maioria das residências alaga e o drama se repete.

A inauguração do residencial só aconteceu em 2013, três anos após a cheia. No desespero, os desalojados e alguns penetras invadiram o local, ainda em 2012, e ali permaneceram por um longo período, até que a regularização aconteceu, quase um ano depois. O cadastro das famílias beneficiadas até hoje intriga os que realmente sofreram com as chuvas e as autoridades de fiscalização. Denúncias de concessão ilegal de chaves foram feitas ao Ministério Público, mas nada foi provado até agora. E os próprios moradores evitam tocar neste assunto, com medo de represálias.

Em recente visita ao residencial, a Gazeta percebeu, logo de cara, uma disparidade na estrutura das moradias. Muitas já foram totalmente reformadas, com muros altos e cobertos com revestimento e portões modernos. Em outras, bem mais simples, moram famílias que sobrevivem com um salário mínimo.

As ruas continuam asfaltadas, mas, devido às chuvas e o consequente alagamento, é comum ter que desviar de grandes buracos. Em cada cruzamento há uma estrutura de cimento com uma tampa de aço. Seria a evidência de que o sistema de esgoto existe, mas que, na verdade, é muito precário. Lamas escuras e fétidas tiram o sossego dos residentes. A água suja brota no meio da via pública e desemboca nos bueiros.  

O mato é outro problema relatado pelos moradores. É rotineiro o acúmulo de lixo e de metralha por causa das inúmeras construções no local. Quem vive ali teme a proliferação de insetos e pragas difíceis de combater, a exemplo de vetores de doenças como a dengue e a leptospirose. Alexandre Fernandes, que exerce uma espécie de liderança no conjunto, critica a ausência de garis e revela ser um fato raro vê-los ao longo do ano. “Nunca esse mato é limpo”, reclama.

Outra reclamação é a falta de agentes de saúde para visitar os imóveis com o objetivo de combater as endemias. Segundo Fernandes, há registro de moradores com suspeita de dengue no conjunto.

Porém, a grande preocupação dos moradores é em relação ao volume de água que se acumula no conjunto sempre que chove. A aposentada Maria José Gomes, de 64 anos, lembra com tristeza as três vezes que teve a casa invadida pela água. Segundo ela, na primeira ocasião, o nível subiu cerca de um metro de altura e entrou na residência com toda a força. “Perdi boa parte dos meus móveis. Foi um desespero e tive que agilizar a retirada de tudo para evitar o pior”, recorda.
 
Maria mora na casa que pertence ao filho. Eles viviam em Rio Largo, na conhecida Ilha Angelita, arrasada pela enchente de 2010. Desde então, a idosa luta, junto aos órgãos públicos, para ser contemplada com o próprio imóvel, e destaca que a chuva traz outros problemas que podem agravar ainda mais a situação dos moradores do Bosque dos Palmares. “A fiação da energia elétrica é toda embutida e passa pelo quintal. Se a água deixar algum fio exposto e alguém pisar, vai ser fatal. Temo pelas crianças que vivem aqui”, relata.

A vítima da cheia ainda tem que manter as portas de casa fechadas, porque o esgoto passa na porta e o mau cheiro é insuportável. Com problemas na coluna, gastrite e reumatismo, ela ainda pena para conseguir assistência médica. “Aqui deveria ter um posto de saúde. Mês passado, minha neta precisou de socorro porque uma semente de amendoim ficou presa em seu nariz. Pedi ajuda a um parente que mora próximo e tem um carro, que nos levou até o posto de saúde mais próximo. Lá não tinha médicos e a orientação que nos deram foi procurar o Hospital Geral do Estado. A semente só foi retirada no outro dia. A minha neta poderia ter morrido por falta de atendimento”, disse.

A também aposentada Ana Maria da Silva, de 61 anos, chora ao lembrar da história de vida e da sequência de dificuldades que lhe acompanha, desde a inundação, há quatro anos. Morando em uma casa emprestada, ela sofre com a falta de estrutura para sobreviver e lembra com pesar dos momentos de angústia vividos, tanto na cheia como durante os alagamentos recentes da residência onde vive. Para evitar novos transtornos, ela mandou construir batentes na porta da frente, dos fundos e do banheiro do imóvel.

Com osteoporose e trombose, ela caminha com bastante dificuldade, amparada por um cabo de vassoura, que utilizava como se fosse uma muleta. Para atravessar o batente, a dona de casa faz um grande esforço e corre risco de cair. “Eu morava no bairro Gustavo Paiva e perdi tudo naquela enchente. Fiz o cadastro do governo para ganhar a minha casa e ainda não consegui”, chora a aposentada. “Desde que vim para esta casa, passo pelo mesmo problema. Tudo se repete e nada se faz para resolver a nossa dificuldade”, completa o raciocínio, enxugando as lágrimas. Os móveis que têm, atualmente, foram doados por vizinhos e familiares, conforme ela revela.

A idosa destaca que adoeceu recentemente. Sentindo cansaço, tossindo bastante e com a pressão elevada, ela diz que manteve contato com uma farmácia próxima, que faz serviço em domicílio, para tomar uma medicação, mas o motoqueiro ficou impossibilitado de chegar até a moradia, pela quantidade de água que se acumulou. “Eu moro sozinha. Se eu passar mal aqui, só a mão de Deus para me ajudar. Nem um posto de saúde tem aqui perto para me socorrer”, lamenta.

Marinita da Silva Rêgo é cadeirante e vive sozinha em uma casa de esquina no residencial. O local é um pouco mais elevado em relação ao nível da rua, o que não evitou que a água da chuva invadisse o imóvel. Ela diz que mal sai, temendo sofrer algum acidente na rua, já que as calçadas não têm acessibilidade. Para se ter uma ideia, os postes ficam na esquina e no meio do calçamento, impedindo que uma cadeira de rodas passe. Neste período chuvoso, a aposentada comenta que a maior preocupação é com as viroses.

“Aqui está uma epidemia de virose. Muita gente gripada e eu fico me protegendo para não pegar essa doença. Se eu adoecer aqui, tenho que pegar um táxi ou apelar para que os vizinhos me socorram”, afirma Marinita.

De acordo com Alexandre Fernandes, todas as reclamações dos moradores já foram levadas ao conhecimento do Ministério Público e das secretarias envolvidas com o Programa da Reconstrução. Entretanto, segundo ele, há lentidão na resolução das dificuldades, o que gera insatisfação constante da comunidade.

Usuários com câncer fazem peregrinação

Por Thiago Gomes, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Segundo Ricardo Melro, o grande problema da rede pública de saúde, atualmente, é o atendimento oncológico. Apenas dois Centros de Referências de Atendimento para Câncer (Cacons) funcionam em Alagoas, um no Hospital Universitário e outro na Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Como esses locais, segundo o defensor, não absorvem a grande demanda, muitos dos pacientes acabam se dirigindo para o HGE, onde ficam sem atendimento especializado. Até a biópsia não é feita, como ele denuncia.

É o que aconteceu com a dona de casa Noêmia Marques Vieira. Em 2009, em pleno vigor físico, ela percebeu um pequeno nódulo nos seios e procurou a rede pública de saúde para realizar exames mais detalhados. Como não encontrou marcação mais rápida e temendo ser o pior, ela desembolsou um alto valor e pagou uma mamografia e uma ultrassonografia, que atestaram um nódulo de características malignas e sugeriram biópsia. Para o procedimento mais complexo, a paciente, já sem recursos, relata que peregrinou até ter a marcação feita no Cora, meses depois. Com o resultado confirmado de um câncer, ela ainda sofreu para fazer a cirurgia urgente.

“O médico me disse que eu não poderia esperar e tinha que fazer a cirurgia o mais rápido possível. No hospital, ele me disse que não tinha como me operar, porque ali estava faltando oncologista. Diante disso, fui orientada a procurar a Defensoria Pública e buscar a garantia da operação. Até hoje, sou grata aos defensores por me atenderem tão bem e resolverem o meu problema. Fiz a cirurgia, retirei a mama e ainda permaneço em tratamento, sofrendo nestes postos de saúde, sem remédios, sem médicos e com atendimento terrível”, lamenta a dona Noêmia.

Ela lembra que, recentemente, precisou fazer uma ultrassonografia do abdômen total e, mais uma vez, recorreu ao serviço particular. “Se eu fosse marcar pelo Cora iria demorar, no mínimo, dois meses para eu fazer o exame”, informa.

O defensor público revela que tomou conhecimento da inauguração de mais um hospital, na região central de Maceió, que vai atender unicamente pacientes com câncer. “Disseram para mim que era a alternativa para desafogar a demanda da Santa Casa e do HU, além do HGE, que acaba recebendo pacientes mesmo sem ser referência. Estamos trabalhando para credenciar mais um hospital para esse atendimento, que é o do Açúcar.

Segundo Melro, os pacientes com câncer estão sofrendo demais em Alagoas, porque não conseguem ter o diagnóstico rápido e, consequentemente, iniciar o tratamento imediato. “Portanto, sempre que o usuário chegar às unidades, encontrar óbices e perceber que o procedimento adotado não lhe corresponde, deve procurar a Defensoria. Aqui vamos buscar a tutela do direito dele”.

Nos postos de saúde, o paciente ainda pode recorrer aos Núcleos Interinstitucionais de Judicialização da Saúde (Nijus), um espaço criado para resolver pendências extrajudicialmente.

Em defesa dos fracos e oprimidos

Por Thiago Gomes, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

Maceió – Se não tem médico ou remédios nos postos, se a cirurgia urgente esbarra na burocracia ou se o tratamento para uma doença crônica não foi garantido, o que resta ao paciente do SUS? O jeito é recorrer à Justiça. A Defensoria Pública do Estado de Alagoas começou a trabalhar com ações para garantir o acesso à saúde no ano de 2007. Desde então, o volume de trabalho do órgão só cresceu. Como aqui as unidades de saúde estão afundadas, a tendência é que a quantidade de ações civis públicas, impetradas pela Defensoria, aumente ainda mais. De março de 2013 a março de 2014 foram ingressadas 1.971 ações judiciais relativas a direitos à saúde do alagoano.

Por dia, a Defensoria Pública informa que entre 25 e 30 atendimentos são feitos com o mesmo propósito. Por mês, já houve picos de 350 ações ajuizadas, a maioria em busca de cirurgias e medicamentos que estão em falta nas farmácias dos postos e ambulatórios 24 horas espalhados pelo Estado. Para o defensor público Ricardo Melro, a demanda de saúde nem deveria fazer parte do trabalho do órgão, levando em consideração que se trata de um serviço essencial à população e que deveria ser oferecido plenamente pelo Poder Executivo.

“A judicialização não atrapalha a administração dos recursos para a saúde; ela é a consequência da precariedade dos serviços do SUS. Se não houvesse problemas, os usuários não iriam procurar a Defensoria Pública para ter os seus direitos garantidos. Ao nosso entendimento, a judicialização só ocorre pela precariedade dos serviços em Alagoas”, ressalta.

Segundo o defensor, os motivos para a procura judicial variam conforme a época e de acordo com problemas pontuais da administração dos postos de saúde. Ele cita que, no início dos trabalhos, a demanda de pacientes com diabetes era alta. E a justificativa era simples. Faltava insulina nos postos e nas farmácias. “A substância não estava contemplada nas portarias do SUS. Descobrimos que, em outros Estados, foram lançados protocolos próprios e complementares ao SUS e inseriram dentro das farmácias o produto. Fizemos um acordo com o Estado e, por licitação, a insulina foi inserida nas farmácias daqui também”, destaca.

Ele cita que, atualmente, os casos que mais chegam à Defensoria dizem respeito ao tratamento involuntário para dependentes químicos. Ao todo, Alagoas tem oito clínicas particulares para este tipo de demanda e nenhum leito público. Trata-se de um tratamento dispendioso e que, segundo pesquisas, não tem surtido muito efeito. De cada dez internamentos, sete pacientes voltam a usar drogas.

“Temos uma liminar, expedida pelo juiz Manoel Cavalcante, que obriga o Estado a fazer exames no paciente e, caso haja necessidade de internação, seja providenciado o leito. Paralelo a isso, vou fazer uma reunião com os donos das clínicas particulares que fazem o tratamento involuntário dos dependentes químicos para entender a eficácia. Além disso, fiz uma recomendação à Secretaria Municipal de Saúde, a fim de credenciar essas clínicas ao SUS e evitar um futuro cartel”, revela.

Ricardo Melro levanta a hipótese de que possa existir uma indústria da prescrição médica pelo SUS em Alagoas. Ele explica que, nestes casos, os profissionais indicam os materiais a serem usados no procedimento e que custam um valor alto. Pelo que ele ‘ventila’, muitos médicos estariam ganhando gratificações em cima dessas mercadorias. “Existem sempre pessoas do mal, que querem enriquecer em detrimento do sofrimento das pessoas”, acredita.

O defensor critica o trabalho executado pelo Complexo Regulador (Cora), o que termina massacrando o usuário do SUS.

“Tem um termo de acordo firmado, de 2011, quando o secretário, à época, comprometeu-se a tomar várias medidas para modificar as marcações, mas o secretário mudou e a Defensoria está brigando para voltar. O Cora trabalha muito mal e deveria sair de dentro dos postos, tendo uma rede de fiscalização. Ele deve ter uma equipe da secretaria alimentando o sistema e informando as vagas diariamente”, avalia.

Irmãos com paralisia vivem à mercê do SUS

Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)


Traipu – A casa é de taipa e o banheiro é um buraco no chão, isolado do quintal por pedaços de espuma velha. Só isso já seria suficiente para infectar com várias doenças os moradores dessa residência, localizada no sítio Belo Horizonte, zona rural de Traipu. Mas quatro das seis pessoas que moram nesse ambiente sofrem de um problema muito mais grave.

Ronilson Ferreira dos Santos, 17; José Cícero, 14; David, 12; e José Gabriel, 11, nasceram saudáveis, de acordo com a mãe deles, a desempregada Benedita Ferreira dos Santos. Como toda criança que cresce na zona rural, eles gostavam de passar o tempo livre, correndo pelo mato, explorando a região, além de, claro, jogar futebol. Hoje, essas brincadeiras ficaram para trás e eles passam o dia inteiro sentados no sofá ou no chão de terra batida, dentro de casa. Nenhum dos quatro pode mais andar e eles não conseguem entender o porquê.

Estes garotos são o retrato da ineficácia da saúde pública. O primeiro a ficar doente foi Ronilson, conhecido também como “Roninho”. Por volta de 2002, quando ele tinha cinco anos de idade, começou a sentir dificuldade para caminhar. De lá para cá, Benedita já perdeu as contas de quantos médicos foram consultados e quantos exames foram feitos nestes mais de 10 anos, seja com Roninho ou com seus outros filhos, que desenvolveram o mesmo mal nos anos seguintes. Hoje, 12 anos depois, eles sequer têm o diagnóstico da doença.

O mais perto que chega disso é um laudo escrito à mão por uma médica, que Benedita usou para dar entrada no processo de aposentadoria de Roninho e José Cícero. “A doutora acha que o nome da doença é esse que está escrito aí, mas disse que é preciso fazer mais exames para descobrir a causa”, afirmou Benedita Ferreira, revelando que não sabe ler. No papel está escrito tetraplegia progressiva.

“Ela disse que é uma doença degenerativa, não entendo direito o que significa isso, e genética também, porque tenho um irmão que morreu que tinha o mesmo problema. Mas eu acho que não é, porque eu tenho oito filhos, além dos quatro que são doentes. Tem o César, que mora comigo e tem 16 anos, e outro filho que passa mais tempo na casa de parentes, além de uma menina que mora em São Paulo. E nenhum deles tem essa mesma doença”, afirmou.

Quando Roninho tinha cinco anos passou a ter um andar desequilibrado, sem conseguir pisar com os calcanhares e ficar com a coluna ereta. “Ele era sadio e, de um dia para o outro, começou a andar na ponta dos pés e como se fosse cair. Não conseguia mais pisar direito no chão. Comecei a levar para os médicos, ainda nesta época, mas não descobriam o que ele tinha. Primeiro foi no posto de saúde, depois para outro médico que eles encaminharam, daí fizeram exames. Já levei Roninho e os outros meninos para se consultar em Arapiraca e até em Maceió, mas ninguém disse o que eles têm”, declarou.
 
Benedita Ferreira cria sozinha cinco dos seus filhos. Além dos quatro deficientes, também mora com ela César Ferreira dos Santos, que tem 16 anos, e ajuda no cuidado com os irmãos. Ela não trabalha e a família sobrevive da renda proveniente da aposentadoria de Roninho e José Cícero. Algumas semanas atrás, depois que uma reportagem sobre eles foi veiculada na TV, os garotos receberam doações de cadeiras de roda.

Quando a Gazeta esteve com eles, as doações ainda não haviam acontecido e Benedita Ferreira dizia estar desanimada. “Às vezes aparece exames para eles fazerem e eu fico pensando se devia levar ou não. Mas acabo sempre levando, porque fico muito triste quando vejo a situação desses meninos, enquanto qualquer coisa que melhore pelo menos um pouco vale a pena”, conta, lembrando que a médica do posto de saúde de Girau do Ponciano providenciou um exame para Roninho em Maceió, para as próximas semanas.

Apesar do acompanhamento em Girau, onde a família morava até o começo de junho, a diretora do posto de saúde do sítio Belo Horizonte – que estava fechado no dia em que a reportagem esteve com a família – Josiva Lima de Souza, afirmou que o acompanhamento médico dos garotos está garantido. “Desde quando Roninho começou a apresentar os primeiros sintomas, providenciamos o que foi necessário para melhorar as condições de vida dele. A gente levava os irmãos até o Centro de Reabilitação, em Arapiraca, onde eram acompanhados por profissionais de várias áreas. Esse acompanhamento só foi interrompido porque eles foram embora, mas podem ser retomados a partir de agora”, afirmou.

A mãe dos garotos afirma que, alguns anos atrás, mudou-se com os meninos para o município de Coruripe e, depois, foram morar em Girau do Ponciano, mas acabaram voltando para a casa de taipa no sítio Belo Horizonte, porque não havia condições de arcar com o aluguel.

SONHOS PARALISADOS

Apesar do confinamento dentro do casebre imposto pela paralisia, os garotos – na maior parte do tempo – são alegres e comunicativos. A principal diversão deles, atualmente, é a televisão, um “luxo” recente, já que até um mês atrás não havia sequer energia elétrica na casa deles.

“Como não podiam sair de casa, durante a Copa, pediam para o vizinho deixar o som da televisão dele bem alto e ficavam escutando de casa”, conta César Ferreira, fiel escudeiro dos irmãos.

A energia chegou depois que os conselheiros tutelares de Traipu fizeram uma vaquinha e compraram os materiais necessários para ligar a casa à rede elétrica. “Eles gostam muito de futebol, mas não podem sair para brincar. A televisão pelo menos ajuda a passar o tempo”, afirmou o conselheiro Jonatas Pedro da Silva Santos. Ele fez um apelo pelos garotos, que já chegaram a mandar cartas para programas de televisão, com o objetivo de conseguir uma reforma na casa onde moram.

“Eles são uma família carente de tudo. Da moradia à assistência médica. Se algum médico voluntário, faculdade ou acadêmico de Medicina pudesse ajudar, para descobrir qual doença eles realmente têm e definir um tratamento para que eles, se não melhorarem, pelo menos a doença não evolua ainda mais”, apelou o conselheiro.

A rotina dos garotos é sofrida. Eles dormem em colchões que foram doados para a família depois que Benedita Ferreira fez um apelo em um programa de rádio. Pela manhã, ela e César colocam os meninos no sofá e tiram os colchões que ficaram espalhados pela casa. As necessidades fisiológicas são feitas em uma garrafa ou no chão mesmo, em cima de uma sacola plástica, que depois é jogada fora.

Apenas David e José Gabriel frequentam a escola, apesar de spo existir uma a menos de cem metros da casa deles. “Eu queria voltar a estudar, mas agora estou muito pesado e nem minha mãe nem meu irmão conseguem me carregar até lá”, conta Roninho. Outro sonho dele é voltar a caminhar. “Se Deus quiser, isso um dia vai acontecer”, afirma.

Como passam os dias inteiros em casa, a chegada de qualquer pessoa de fora é motivo de animação, embora José Cícero e José Gabriel não gostarem de falar sobre a doença que sofrem. Faz menos de um ano que eles pararam de andar.

“As pernas vão ficando fracas, cada vez mais fracas, até não conseguirem mais ficar de pé”, explica Roninho pelos irmãos.

César Ferreira, o único dos filhos que mora com Benedita e consegue andar, conta que passou anos com medo de ter a mesma doença que os irmãos. Agora, com 16 anos, e aliviado por estar livre da paralisia, é quem fica com os irmãos a maior parte do tempo. Quando indagado se tinha um sonho na vida, respondeu prontamente. “Queria conhecer o Neymar, ou melhor, queria não. A melhor coisa de todas seria poder jogar bola com meus irmãos”, declarou.

O famigerado Cora

Por Tâmara Albuquerque, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre Saúde em Alagoas)

Maceió – Concebido para organizar e garantir o acesso dos usuários aos serviços de saúde do SUS, o Complexo Regulador Assistencial (Cora) coloca em teste a paciência e a resistência do alagoano, que enfrenta filas desumanas – e por várias vezes seguidas – para garantir a marcação de consultas, exames, leitos e terapias nas unidades que prestam assistência especializada na capital.

A reclamação contra o Cora é geral e independe de qual município o usuário resida. O modelo, importado da Inglaterra, foi implantado no Estado em 2005, de forma incipiente, inicialmente com a regulação de leitos hospitalares, seguida das transferências da rede de urgência, serviço ambulatorial e exames de média e alta complexidades.

Segundo informa o diretor do Cora, Fábio Oliveira da Silva, as unidades de saúde de Maceió e os 101 municípios de Alagoas que “compram” serviços de saúde da rede pública da capital estão integrados ao sistema de marcação. “O Cora só não regula o atendimento básico prestado no posto de saúde, as consultas com o médico clínico, pediatra, ginecologista e odontólogos, porque essas especialidades fazem parte da assistência básica, de responsabilidade das prefeituras”, explica o diretor.

Para o usuário do SUS em Alagoas, não há outra forma normatizada de acesso aos serviços especializados nas unidades de Maceió que não seja por meio do Cora. A exceção são os casos de urgência e emergência, como as gestantes.

Aos 72 anos, a senhora Maria das Dores de Melo enfrenta uma rotina estressante e perigosa. Sai de casa sozinha, na madrugada, para tentar garantir tratamento à saúde debilitada. Foi assim para conseguir a consulta com o cardiologista do Hospital Universitário e, agora, para marcar, no próprio hospital, o ecocardiograma solicitado pelo médico.

HUMILHAÇÃO

A idosa – que diz sentir cansaço, dificuldade de respirar e arritmia –, mora em Maceió, no bairro de Santa Lúcia. Enfrenta as ruas ainda desertas, a chuva, a espera demorada pelo transporte e o medo da violência urbana para tentar o acesso aos serviços de saúde. “A gente passa humilhação para conseguir um médico. Muitas vezes ele nem olha para a cara da gente. É preciso ir ao posto cinco, seis vezes para marcar consulta e exame. A gente está morrendo de fome e de doença, e não tem quem melhore esta situação. O político só quer o voto”, desabafa.

A compra dos serviços e procedimentos de saúde existentes na rede pública da capital, segundo esclarece Fábio Oliveira, é realizada por meio da contratualização entre o município carente [do serviço] e a Secretaria Municipal de Saúde de Maceió, levando em conta as necessidades da população e a demanda. É na contratualização que o município estabelece o que vai adquirir em hospitais, laboratórios, clínicas e outras unidades de saúde de Maceió.

Entretanto, seja pela limitação de recursos das prefeituras ou pela baixa cobertura da saúde no Estado, os pacotes de serviços comprados pelos municípios, sem exceção, não atendem à demanda da população. Como resultado, o que se vê é uma disputa desigual e cruel pela assistência, cujo reflexo são as longas filas, reclamações, mau atendimento e superlotação dos serviços de urgência e emergência.

A dona de casa Lais de Oliveira Silva é asmática e faz uso contínuo de medicamentos para evitar as crises de cansaço. Desde o mês de maio, tenta marcar pelo Cora o retorno à pneumologista que a acompanha, no Hospital Universitário, mas, até agora, não obteve sucesso.

“Os remédios estão acabando, tenho ido direto à farmácia do governo [Farmex] e a atendente diz que estão faltando. Esta é a quarta vez que eu venho pessoalmente no hospital para marcar a consulta e a moça diz que não abriu vaga nesse Cora”, lamenta.

Fábio Oliveira esclarece que a baixa oferta de serviços limita o acesso à assistência médica e hospitalar. “A rede não tem um quantitativo de serviços que garanta cobertura para toda a população. Nós não criamos vagas. Elas existem de acordo com a capacidade da rede, e usuários do SUS em todo o Estado disputam essas vagas”, diz.

Ele cita como exemplo a existência de apenas um médico neurologista pediátrico pelo SUS em todo o Estado e apenas dois cirurgiões de cabeça e pescoço. Alagoas também tem carência de médicos otorrinolaringologistas, ortopedistas e endocrinologistas. A lista é grande.

MAIS DINHEIRO

“O usuário não vai conseguir ter acesso fácil a esses profissionais e a solução não tem relação com o Cora. Muitas vezes, o usuário tenta marcar um procedimento, como um exame de tomografia, e não consegue porque o município já utilizou a quantidade que foi contratualizada”. Fábio Oliveira explica que é necessário colocar mais recursos na saúde para ampliar o número de serviços. Hospitais como a Santa Casa de Misericórdia de Maceió, Hospital Sanatório e Hospital do Açúcar estão concluindo o processo de contratualização com a Secretaria de Saúde de Maceió este ano, o que deve elevar a oferta de serviços à rede.

“Com a contratualização, a gente [Secretaria de Saúde de Maceió] tenta garantir uma linha de cuidados ao paciente. Se antes o hospital oferecia o que ele queria, aquilo que era interessante e rentável para ele, a partir do contrato nós decidiremos o que queremos desse hospital”.

O diretor do Cora assegura que, se houvesse melhora na assistência básica no Estado, a demanda pelos serviços de média e alta complexidades diminuiria. “Em qualquer parte do mundo, a prioridade, hoje, é a saúde básica e o atendimento de prevenção. Enquanto a saúde básica não estiver organizada e funcionando de forma eficaz, sendo resolutiva, nós não teremos serviços suficientes para atender a população na média e alta complexidades”, destaca.

Além da dificuldade de acesso aos serviços de saúde, o usuário do SUS precisa contar com a “sorte” para encontrar o sistema de marcação em funcionamento, nas unidades de saúde sucateadas, e ser atendido de forma eficiente pelo funcionário que trabalha no agendamento.

A doméstica Maria do Carmo Bezerra conta que, depois de “dar muitas viagens” ao posto de saúde de São Miguel dos Campos, garantiu a consulta com um médico no Hospital Universitário para mostrar um exame de endoscopia, realizado no mês de maio e solicitado por um clínico do posto em consulta anterior. Ao chegar ao hospital, a paciente tomou conhecimento de que a marcação foi feita para o especialista errado. “Agora vou ter de voltar para o posto, pegar outro encaminhamento e ficar tentando a marcação”, revolta-se.

UPA de fachada é aberta no Sertão

Por Patrícia Bastos, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre Saúde em Alagoas)
 
 
Santana do Ipanema – A fachada do Hospital Regional Clodolfo Rodrigues, em Santana do Ipanema, traz o anúncio em letras graúdas: UPA 24h. Sob a placa, a entrada dá para o conhecido setor de urgência da unidade hospitalar, que começou a funcionar há quatro anos.

Quando uma unidade traz em si o nome UPA (Unidade de Pronto Atendimento), até mesmo por ser um modelo novo de equipamento de saúde, era de se esperar um ambiente organizado, com equipe médica própria e bons aparelhos para garantir o atendimento de urgências e emergências mais simples, com o intuito de desafogar a unidade hospitalar, que passa a cuidar apenas dos casos de média e alta complexidades.

Mas o que se vê por trás da fachada da “UPA” de Santana é um grande hospital, referência no atendimento de pacientes no Sertão, e que passa por dificuldades para atender pessoas vindas de vários outros municípios, com uma verba considerada insuficiente pelos gestores.

No entanto, a fachada de uma UPA que não existe de fato – embora haja um registro no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sobre a fase de licitação para uma obra de ampliação – não seria o menor dos problemas. Uma denúncia feita ao Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) dá conta de que foi formada uma equipe com 24 profissionais, entre eles 18 médicos, para prestar serviços, por tempo determinado, na Unidade de Pronto Atendimento.

De acordo com o radialista Fernando Valões, ex-integrante do Conselho Municipal de Saúde, a fachada e a composição de uma equipe médica denota que muitas informações sobre a UPA não são de conhecimento público. “Em junho de 2012, foi autorizada pela prefeitura a formação de uma equipe médica fictícia, que foi cadastrada no CNES com o objetivo de criar uma UPA de fachada e garantir, lá na frente, uma UPA ampliada, que neste momento está sendo construída ao lado do hospital”, afirmou o responsável por encaminhar a denúncia para a entidade que regula os estabelecimentos de saúde.

As suspeitas de Fernando Valões têm como base informações obtidas junto a José Ferreira de Souza, mais conhecido como “Ailton da Ambulância”, que era presidente do Conselho Municipal de Saúde naquele período. Em contato com a reportagem por telefone, Ailton da Ambulância confirmou que foram colocadas em discussão, no Conselho de Saúde, duas propostas para implantação da UPA em Santana do Ipanema. Uma delas era o recebimento de recursos federais para a construção de uma UPA tipo 1 naquele período, ou então aguardar algum tempo para poder ter uma UPA ampliada.

“Na época, falava-se em um valor entre R$ 120 mil e R$ 200 mil para o pagamento da equipe médica e, pelo que sei, esse pagamento nunca aconteceu, já que a UPA não foi habilitada. O que existe na frente do Hospital Clodolfo Rodrigues não passa de uma fachada”, disse o ex-presidente do conselho.

FANTASMA

O radialista frisa que para Santana do Ipanema ter uma UPA ampliada, conhecida também como UPA tipo 2, seria necessário que o município já tivesse uma UPA tipo 1 em funcionamento. “Esta UPA fantasma deveria ter entre 5 e 8 leitos de observação e capacidade para atender até 150 pacientes por dia. Mas nada disso existe. Há apenas uma porta de entrada para o hospital, que é de urgência e emergência”, denunciou.

Até o fechamento da matéria, Valões não havia recebido qualquer resposta sobre a denúncia feita por ele. Para o radialista, é necessário esclarecer se é legal a constituição de uma equipe médica para uma unidade que sequer existe formalmente. “Como um órgão permite o cadastro de médicos com informações de que eles têm vínculo empregatício por tempo determinado, e tudo isso de mentirinha?”.

Valões também questiona sobre a necessidade de constituição de um corpo de funcionários para a unidade. “Não há motivo para a criação de uma equipe médica se não há UPA e nem repasse de verba federal, como eles dizem. Esta é uma situação que precisa ser esclarecida”, enfatizou.

Em entrevista gravada pelo próprio Valões, a secretária municipal de Saúde Petrúcia Mattos admite que a UPA é apenas de fachada. “A UPA ainda não é habilitada. Na época, foi colocada aquela placa já com a nomenclatura para vir recursos destinados à construção. Se você vai ampliar uma coisa, ela precisa existir antes. Este foi o objetivo [da placa e da formação da equipe], inclusive por orientação do Ministério da Saúde”, justificou.

É SEM NUNCA TER SIDO

Mesmo admitindo que, para ampliar a Unidade de Pronto Atendimento ela precisaria existir antes, e por isso foi colocada a fachada no Hospital Clodolfo Rodrigues, a secretária Petrúcia Mattos classifica a situação como “normal”. Ela, inclusive, usa o mesmo exemplo dado pela diretoria do Instituto Pernambucano de Assistência à Saúde (Ipas), organização social que administra a unidade hospitalar.

O diretor do Ipas, Marco Calderon, comparou a instalação da UPA, que está sendo construída nos fundos do Hospital Clodolfo Rodrigues, ao processo de habilitação de uma UTI tipo 2. Ele conta que, para obter, junto ao Ministério da Saúde, recursos para manutenção dessa unidade, o hospital precisaria comprar equipamentos, adequar o espaço conforme as especificações e só depois que tudo estivesse pronto é que a unidade buscaria a habilitação necessária.

“O processo é idêntico. Primeiro você deixa tudo pronto e depois é que vai buscar a habilitação para receber os recursos de manutenção e pagamento de funcionários. Não há nada de anormal nessa situação. Inclusive, a porta já funciona como uma UPA em sua plenitude, resta apenas terminar a reforma para que as adequações sejam cumpridas”, explica.

De acordo com Calderon, a obra necessária para a criação da UPA ampliada irá custar R$ 1 milhão, quantia que foi obtida pelo governo federal por meio de emendas parlamentares. Com exceção desse recurso, que é gerido pela prefeitura, o Hospital Clodolfo Rodrigues não teria recebido nenhuma verba carimbada como UPA. “Não há recursos para implantação e muito menos para pagamento de funcionários. A equipe que foi formada e cadastrada no CNES é de profissionais que trabalham no próprio hospital e fazem parte do processo de criação da unidade, mas eles não receberam nada por isso”, declarou Calderon.

A informação é confirmada por Petrúcia Mattos. Segundo a secretária, a equipe médica cadastrada no CNES pode não ser a mesma que irá atuar quando a UPA começar a funcionar de verdade, já que o cadastro define a contratação desses profissionais por tempo determinado. “De qualquer maneira, o hospital não recebe dois recursos, recebe apenas como porta de entrada. Depois que a UPA for construída, iremos buscar a habilitação para receber esses recursos, mas até agora ninguém recebe como funcionário da UPA”.

Mattos explica que não participou das discussões sobre a criação da Unidade de Pronto Atendimento em Santana do Ipanema, que ocorreram na gestão anterior, mas justifica que o processo de implantação, aprovado pelo Conselho Municipal de Saúde em 2012, foi iniciado a partir de orientações do próprio Ministério da Saúde.

“Pela portaria do ministério, você poderia escolher construir uma UPA ou fazer uma UPA ampliada, e a segunda opção foi escolhida. Na mesma época, antes da minha gestão, foi sugerido que – apesar de ser a mesma porta de entrada – fosse aberto um novo CNES, cadastrando profissionais do hospital na UPA, para garantir a verba de ampliação. Se não fosse assim, não se conseguiria”, disse.

A secretária de Saúde explica que a sua gestão apenas deu encaminhamento ao processo de criação da UPA, com a licitação da obra com recursos que já estavam no caixa do município, e assinando a ordem de serviço. “Quando ficar pronto, vai ter outra porta para a UPA”.