terça-feira, 26 de agosto de 2014

Estado abandona pacientes com HIV

No Hospital Hélvio Auto, referência no tratamento de doenças infectocontagiosas, perto de dois mil pacientes são acompanhados, mas falta de profissionais levou à suspensão de novos atendimentos
 
  
Por Thiago Gomes, repórter da Gazeta de Alagoas (matéria publicada na edição de 17.08.14 - Especial sobre a saúde em Alagoas)

 
Maceió – Referência há anos no diagnóstico e tratamento de doenças infectocontagiosas, o Hospital Escola Hélvio Auto, que pertence à Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), está se arrastando. Somente um investimento financeiro pesado, por parte do Estado, seria capaz de reerguer um prédio que, aos poucos, está ruindo.

Apesar de lidar com doentes de maior grau de complexidade, o hospital tem um quadro de médicos ínfimo. Faltam medicamentos básicos e essenciais. Por esses motivos, a quantidade de leitos está reduzida, desde 2012, quando vários profissionais se aposentaram e outros passaram em concurso para se dedicar ao ensino.

Foi justamente nessa época que a direção do Hélvio Auto, em consonância com a Uncisal, decidiu parar de receber pacientes diagnosticados com HIV. O acompanhamento dos novos infectados ficou prejudicado pela falta de médicos especializados. Quase dois anos depois, a situação não mudou, não apareceu nenhum médico infectologista e o setor ambulatorial só não fechou porque a Prefeitura de Maceió cedeu dois profissionais da área.

Ao todo, perto de dois mil pacientes com o vírus HIV são acompanhados e, segundo informa a diretora do hospital, Luciana Pacheco, é inviável ampliar esse número sem que profissionais cheguem para reforçar o quadro. A demanda nova continua sendo encaminhada para o PAM Salgadinho e para o Hospital Universitário (HU). “Precisaríamos de, pelo menos, mais três infectologistas para atender à demanda”, destaca a diretora.

Segundo ela, dos 107 leitos instalados e possíveis, o Hélvio Auto só tem estrutura e recurso humano suficientes para ocupar até 90. Destes, 19 são separados para os pacientes que tratam tuberculose como doença oportunista do HIV. Apenas duas médicas se revezam no atendimento. Mais 36 estão destinados aos adultos masculinos – com as mais variadas patologias. Apenas uma médica e um professor cuidam dos internos.

Na ala feminina, são 14 leitos com dois médicos, sendo que um deles atende também no ambulatório de Aids e o outro no prontoatendimento. Pediatras são dois, que cuidam de 22 leitos. Os demais estão vazios, de acordo com Luciana Pacheco, por causa da carência de profissionais. Não há trabalhadores da área médica com 40 horas, que poderiam atender até 12 pacientes por dia. A diretora acredita que seriam necessários, pelo menos, mais seis infectologistas para as enfermarias e mais três para os ambulatórios.


CONCURSO

“A quantidade de médicos é muito pequena para a grande demanda, fora a assistência que os professores devem prestar aos estudantes e aos residentes de Medicina. Encaminhamos várias vezes a nossa dificuldade para a reitoria da Uncisal e, por enquanto, não recebemos retorno por parte do Estado. O que ficamos sabendo é que a universidade vai abrir concurso, porém vai somente legalizar os profissionais que estão no processo seletivo. Não vai aumentar as vagas, infelizmente”, lamenta.

Há carência de profissionais de outras áreas do conhecimento, a exemplo de fisioterapeutas e assistentes sociais. “Trabalhamos no limite e nem dispensamos os profissionais quando o Estado decreta ponto facultativo nas repartições”, relata.

A reportagem da Gazeta esteve, durante uma tarde, “visitando” o Hospital Hélvio Auto, e percebeu sérios problemas, desde o início do atendimento até as dificuldades enfrentadas pelos servidores para lidar com a falta de estrutura. Logo na recepção, faltam poltronas suficientes para quem está aguardando a vez de ser atendido. O local não é climatizado, as portas ficam sempre abertas e a mobília é antiga.

As atendentes não usam máscaras de proteção, esquecendo que podem ter contato com doenças infectocontagiosas. É quando chegam neste setor que muitos desavisados voltam para casa ou partem para o Hospital Geral do Estado (HGE) em busca do socorro. A direção faz questão de ressaltar que os pacientes sem o devido encaminhamento das unidades de saúde não podem ser atendidos ali. “Já tem seis anos que a demanda espontânea não é recebida no Hélvio Auto. Não dispomos de recursos financeiros e nem humanos para isso. A demanda espontânea gera uma demanda de atendimento muito grande, mas menos qualificada. Os miniprontos-socorros não têm estrutura sequer para fazer um hemograma e a demanda é encaminhada diretamente para o Hélvio Auto”, admite.


TETO CAIU

Quem leva o encaminhamento é direcionado para o setor de urgência e emergência, que funciona em um local improvisado. A sala do consultório médico e uma ala no corredor onde a triagem dos pacientes era feita precisaram ser interditadas porque parte do teto de gesso caiu e, até agora, não foi feito o conserto. Os pacientes fazem chacota das péssimas instalações e escrevem mensagens contra a saúde pública no aviso afixado na porta do antigo consultório.

Segundo Luciana Pacheco, o improviso se deu desde o sábado de carnaval, quando o incidente aconteceu. Ela esclarece que o teto desabou por causa de uma antiga infiltração no forro do térreo, provocada pelas instalações erradas dos banheiros do primeiro andar. Não há previsão para uma solução.

No posto do prontoatendimento e na farmácia, a falta de medicamentos e de insumos é constante, conforme narram os funcionários e a própria diretora confirma. A técnica de enfermagem Maria Laline dos Santos reclama que faltam remédios, soro, máscaras e outros equipamentos de proteção individual com frequência. “Não temos estrutura e os armários com os medicamentos ficam abertos, porque estão sem portas, desde o ano passado. Além disso, nossos salários são baixos, trabalhamos 30 horas e só ganhamos R$ 1.300 por mês”, relata a funcionária.

A diretora vai além. Revela que faltam antibióticos rotineiramente, o que seria inadmissível em um hospital referência para doenças infectocontagiosas. Além disso, há carência frequente de medicação básica para pressão arterial. “Sempre que isso acontece, a gente pega emprestado do HGE e de outras unidades. Quando os lotes chegam, devolvemos”, informa. Sobre o prontoatendimento, a diretora nega a falta de insumos e cita que algumas parcerias foram firmadas, o que garantiu a quantidade suficiente de profissionais.

Desde 2010, existe um projeto de reforma do hospital. Ele inclui a substituição de todo o telhado, troca das portas, reforma das calçadas e das alas. Em maio, segundo a diretora, o projeto seguiu para licitação e não deve ser colocado em prática agora. Também há dinheiro guardado para a reforma do setor de Nutrição, mas ainda falta o sinal verde do Estado para seguir à licitação.

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